Cidades

A ameaça do vírus na periferia

Segunda maior favela do Brasil, o Sol Nascente tem cinco casos confirmados de coronavírus. Com poucas condições financeira e de infraestrutura, moradores temem o avanço da Covid-19. Especialistas se dizem preocupados, e alertam para o isolamento social

Correio Braziliense
postado em 05/05/2020 04:06
Muitos comerciantes estão com os estabelecimentos abertos apesar da determinação do GDF de que apenas serviçoes essenciais, como mercados e padariam, podem funcionar
Sem distinguir classe social ou econômica, a pandemia do novo coronavírus invadiu a segunda maior favela do Brasil, o Sol Nascente. Moradores da região temem o avanço da doença. Muitos deles lidam com a falta de infraestrutura nas ruas, e vivem em condições de vulnerabilidade. Boletim mais recente divulgado pela Secretaria de Saúde registrou cinco casos da Covid-19 na cidade. Especialistas se mostram preocupados e reforçam que o isolamento social é o melhor caminho diminuir a disseminação do vírus.

Sol Nascente abriga mais de 87 mil pessoas, segundo o Governo do Distrito Federal (GDF). A morte de um morador do local no sábado provocada pelo novo coronavírus preocupou a população. A região conta com duas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), além de uma unidade de pronto-atendimento (UPA) em Ceilândia. Por meio de nota oficial, a Secretaria de Saúde informou que aquelas pessoas que apresentarem os sintomas da Covid-19 podem procurar a UBS mais próxima da residência.


Outra opção é a testagem rápida pelo sistema drive thru em Ceilândia, realizadas no Centro Universitário Iesb e no JK Shopping. Nos dois locais, dos 797 exames feitos para o coronavírus ontem, 11 deram positivo, segundo levantamento da Secretaria.

Mesmo após a região registrar o primeiro óbito, o Correio flagrou muitas pessoas desrespeitando as orientações do Ministério da Saúde, como manter distância mínima de um metro e meio de distância. Na avenida principal, reportagem presenciou uma barbearia funcionando normalmente, com três clientes no interior do estabelecimento aguardando atendimento. Lojas como essa não estão autorizadas a abrirem, conforme decreto do GDF. Por outro lado, estabelecimentos autorizados a abrirem as portas, como mercearias e panificadoras, aglomeravam clientes nas filas, onde muitos não utilizavam máscaras.


Maria Antônia Joaquim, 54 anos, mora no Trecho 1, no Sol Nascente. A diarista conta que tem saído de casa apenas para trabalhar. Sem lugar fixo, Maria faz faxinas em cidades diferentes, como Samambaia e Plano Piloto. “Se eu parar, fico sem renda. Graças a Deus eu estou tendo clientes, mas estou me cuidando. Sempre vou de máscara, e passo álcool em gel nas mãos. Eu sempre pego ônibus e os motoristas não estão (de máscara)”, denuncia.

A diarista se diz preocupada com a doença, e reclama da falta de conscientização dos vizinhos. “Eu estou me prevenindo, mas e os outros? Aqui (rua) parece que não estamos passando por um problema como este. Vejo gente saindo, fazendo churrasco e festa. Temos que tomar alguma providência”, protesta.


Para Marcos Pontes, médico clínico geral do Hospital Santa Lúcia, a principal característica da Covid-19 é de se espalhar facilmente. De acordo com ele, evitar a proliferação rápida da doença, sobretudo em regiões mais vulneráveis, é crucial. “Locais mais pobres têm um grande risco de infecção, porque os moradores que vivem ali estão em condições precárias de infraestrutura. Nas ruas, por exemplo, é comum as pessoas se aglomerarem mais, então, pode haver um descontrole no número de casos de coronavírus”, argumenta.

O médico orienta que a população siga as recomendações científicas e respeitem o isolamento social. “O cuidado deve começar pelo uso de máscaras, na higienização e na detecção precoce da doença, ficando alerta aos sintomas”, destaca.

Precaução
O pedreiro aposentado José Severito de Souto, 59, cumpre o isolamento social rigorosamente, exceto para conversar com os dois vizinhos na porta de casa. Todos usam máscara, e ficam distantes um do outro. Mesmo respeitando as orientações dos profissionais da saúde, José conta que se preocupa com a falta de saneamento básico da cidade. “Às vezes, o esgoto corre a céu aberto aqui. Um esgoto estourado não faz bem para ninguém, pode trazer doenças”, ressalta.


O receio de José é o de muitos moradores e, também, de pesquisadores. Ontem, a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) e a Universidade de Brasília (UnB) fizeram uma reunião on-line para avaliar a possibilidade de monitorar e identificar a presença do novo coronavírus no esgoto do DF. A ideia é que a companhia monte um grupo para coletar amostras nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), que serão analisadas nos laboratórios da instituição de ensino.

Não há, ainda, confirmações sobre a presença do vírus no esgoto da capital. A UnB esclareceu que desenvolve dois projetos voltados especificamente para o monitoramento do coronavírus em esgoto. “A instituição tem a infraestrutura para fazer as análises, mas depende da aquisição dos reagentes. Os pesquisadores estão empenhados em captar recursos para a pesquisa e comprometidos com os projetos”, informou a universidade em nota oficial.

O aposentado Josevan Vieira, 57, é amigo de José. Ele tem diabete e hipertensão, e conta que, antes mesmo do alerta do governo para o isolamento social, evitava sair de casa. “Meus filhos não deixam eu ir a lugar algum. Só abro exceção para ver os amigos, mas aqui na porta de casa, cada um usando máscara e longe um do outro. Todo cuidado é pouco”, afirmou.


Morte

O homem, de 67 anos, faleceu no sábado, no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). Ele apresentava comorbidades como diabetes e hipertensão, o que agravou o quadro clínico. O paciente começou a ter os sintomas em 7 de abril e teve de ser internado 10 dias depois.



Palavra de especialista

Políticas para vulneráveis

“O afrouxamento no isolamento social é preocupante e reforça que, em regiões carentes, a falta de infraestrutura compromete diretamente a saúde da população. A complexidade nessas áreas aumenta o risco de transmissão, por ser de grande concentração de pessoas. Primeiramente, devemos pensar na implementação de políticas públicas que beneficiem diretamente os residentes desses locais. O governo pode, por exemplo, investir na entrega de produtos de limpeza, máscaras e até de cestas básicas para quem não tem. Devemos saber que a higiene e o isolamento são pontos cruciais para evitar a infecção. Ao chegar de algum lugar, higienize as mãos e desinfecte os materiais, lave as roupas. Neste período, o cuidado deve ser redobrado.”

Marcos Takashi Obara, professor de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB).




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