Cidades

Duas perguntas para Gina Vieira Ponte de Albuquerque

Professora da Secretaria de Estado de Educação do DF há 29 anos, mestre em linguística e especialista em EaD pela Universidade de Brasília (UnB)

Correio Braziliense
postado em 07/05/2020 04:07

Na sua visão, quais as principais dificuldades que os professores estão lidando nessa transição para o ambiente virtual?
A dificuldade que estamos enfrentando é de uma rede de ensino que não cumpriu a tarefa de promover, gradativamente, antes dessa crise, iniciativas que auxiliassem efetivamente estudantes e docentes a se aproximarem das novas tecnologias. Além dessa lacuna nas gestões, a principal dificuldade, primeiro, é que ainda temos que lidar com muitos estudantes que estão excluídos do mundo digital, não só do ponto de vista de não ter o domínio das novas tecnologias, mas também da dificuldade de acesso. Uma internet de banda larga, de alta velocidade, um computador com um bom processador ainda são bens que não chegam a todas as famílias. O custo de uma boa internet pode chegar a um terço do salário mínimo. A pesquisa realizada no DF, que indicou que 95% dos estudantes têm acesso à internet, precisa ser qualificada. Não basta dizer quantos acessam a internet, mas em que condições fazem isso. Então, para falar em transição para o ambiente virtual de aprendizagem, temos muitas questões a resolver. Não podemos adotar um modelo de atendimento pedagógico que esteja a serviço do aprofundamento das desigualdades sociais. Não podemos tomar como parâmetro para a construção de respostas educacionais, os estudantes que gozam de melhores condições econômicas. O Distrito Federal é um território muito marcado por desigualdades. Se é verdade que temos estudantes de escola pública que acessam internet de banda larga, de seus computadores modernos, também é verdade que temos estudantes que vivem em áreas sem saneamento básico.

Um dos problemas que surgem na educação a distância é a dificuldade de se ter uma pedagogia que não preze somente pela transmissão de conteúdos. Como podemos enfrentar isso?
O que está sendo proposto agora, em caráter emergencial, pode ser chamado de atendimento pedagógico remoto, mediatizado pelas novas tecnologias. O atual contexto da pandemia de covid-19 escancarou o quanto a nossa educação ainda é bancária e instrucionista, ou seja, fundamenta-se na concepção de que educar é depositar conteúdos, é transmitir conhecimento. O problema desta concepção é que ela limita o estudante a espectador. As pesquisas mais recentes na área de educação indicam que, para aprender, o estudante precisa ser parte ativa no processo pedagógico, precisa ter espaço para protagonismo e autoria. Em aulas em que ele é reduzido a espectador, à plateia, o que ocorre, muitas vezes, é uma simples memorização do que é dito, mas não há construção efetiva do conhecimento. Para vencer esse paradigma instrucionista e caminhar para o paradigma da aprendizagem, é imprescindível que os docentes exerçam as suas autorias e estimulem os estudantes a fazer o mesmo. Então, em um momento como este, algo que pode ser pedido para os estudantes é que eles produzam um diário da quarentena, no qual possam falar de suas experiências neste momento, registrando e refletindo sobre elas. Eles podem pensar na produção de telejornais que tragam informações qualificadas para as suas comunidades, podem produzir blogs e vídeos informativos que circulem na comunidade. É importante destacar que há competências anunciadas em nosso currículo que não podem ser desenvolvidas com aulas expositivas ou videoaulas, mas a partir de vivências, de experiências que sejam proporcionadas aos estudantes. Este é um momento muito propício para isso. Qualquer atendimento pedagógico remoto que seja proposto deve ter por principal objetivo manter os vínculos prazerosos dos estudantes com a escola. Mais importante do que enviar videoaulas e planilhas de tarefas, é a escola criar formas de se manter em contato com os estudantes e suas famílias, oferecendo apoio, orientação e acolhimento.

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