Cidades

Crônica da Cidade

Hora de cuidar de nossas mães

Correio Braziliense
postado em 09/05/2020 04:05
Eu me lembro da última vez que abracei minha mãe. Foi em 15 de março passado, quase dois meses atrás. Era domingo. Fui visitá-la e ela me recebeu com um abraço gostoso e um pouco mais longo que o habitual, acompanhado de uma risadinha gostosa. Entendi que era um presente dela pra mim. Leitora fiel das minhas crônicas, certamente ela tinha lido, no texto do dia anterior, que um dos meus medos com essa pandemia era justamente ficar sem abraço.

Em 15 de março, esta doença era ainda uma promessa de tragédia. Já tínhamos medo, mas ainda não havíamos visto o monstro por completo. Naquele dia, oficialmente, eram 200 casos confirmados e nenhuma morte. Eu e minha mãe nos permitimos aquele abraço, que teve um quê de despedida, de até logo. Parecia o último que daríamos durante algum tempo. E era mesmo. Os dias se passaram e 200 viraram mais de 140 mil. Zero virou quase 10 mil... E abraço virou lembrança.

Hoje, sei muito bem a sorte que dei por ter pais que viveram muito. Eles não eram jovens quando nasci. Minha mãe tinha 36, meu pai, 39. Mas eles me fizeram o favor de estar por perto na infância, na adolescência, na juventude e até na meia idade. E, assim, me deram tempo de superar todas as coisas complicadas que existem nessa relação tão rica que é o amor entre pais e filhos e perceber que, acima de tudo, houve muito amor.

Papai foi embora já faz seis anos. Tempo que voa! Mamãe não vai embora nunca. Ela não sabe, mas decidi isso por conta própria. Por isso, nestes tempos, não tem abraço nem beijo. Só (poucas) visitas, sempre mantendo distância, e conversas por telefone. Vale a pena o sacrifício, para garantir assim muitos anos mais desse abraço gostoso em que pareço um gigante envolvendo aquela figurinha de 1 metro e cinquenta e cabelos brancos que a transformam em mãe e vó ao mesmo tempo.

É por isso que sinto raiva quando vejo pessoas desdenhando da necessidade de tomarmos cuidado para evitar a proliferação do vírus. São sabotadores do meu plano, o mais importante de todos que já bolei. Dos quase 10 mil mortos no país, mais de 3 mil são mulheres. Me pergunto quantas eram mães e quantos filhos não têm a sorte que tenho: a de passar o domingo do Dia das Mães tomando cuidado para que a minha não adoeça.

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