Correio Braziliense
postado em 10/05/2020 07:00
Toda mulher que se tornou mãe costuma destacar o impacto que a chegada da maternidade tem. Não são só os momentos de afeto com a cria. Nem apenas as noites maldormidas, as trocas de fraldas e os brinquedos pelo chão da casa. A chegada de um filho muda tudo, inclusive no âmbito profissional. No Dia das Mães, o Correio conversou com diferentes mulheres artistas para entender a influência da maternidade em meio à luta do fazer artístico. Um viva a essas e a toda as outras mães!
Eliana Carneiro
1 - A maternidade mudou completamente a trajetória da atriz e dançarina Eliana Carneiro. Foi a percepção de que a filha Naira, hoje com 31 anos, na infância queria fazer parte de espetáculo em que a mãe estava trabalhando que a fez criar a Cia Os Buriti e migrar o trabalho artístico para um lado educacional e infantil. “Esse encantamento foi realmente norteando nosso trabalho, nossa troca. Justamente por ser minha filha ,eu tinha um cuidado e um carinho especiais de não moldá-la a partir do que sou. A intenção não era ser uma outra Elianinha, mas que ela fosse fortalecida na sua individualidade”, conta. Há 25 anos, mãe e filha estão juntas nos palcos e nas montagens da companhia, unindo a familiaridade sanguínea e a aproximação artística.
Quando nasceu o segundo filho de Eliana, Guian, hoje com 20 anos, a atriz, novamente, viu o fazer artístico se transformar. Da mesma forma que Naira, o pequeno se aproximou das artes cênicas, mas com o viés para palhaçaria. Foi a partir daí que Eliana estudou o gênero e o incluiu nos trabalhos da cia. “Quando o Guian nasceu, foi o mesmo processo. Por causa dele, comecei a trabalhar a palhaçaria. Foram processos de muito crescimento e de diversão”, lembra.
Para ela, a maternidade foi fundamental na trajetória artística galgada ao lado dos filhos. “Como diretora do grupo, fui me adaptando ao que eles queriam, e eles foram me inspirando a fazer coisas diferentes. A gente aprofunda nossa relação enquanto artistas e familiares, transferindo esse afeto que nos norteia e nos une nos trabalhos”, define Eliana. “A nossa história é bem-sucedida, porque a gente tem uma relação muito respeitosa, em que conseguimos criar muito bem juntos”, emenda Naira Carneiro.
Martinha do Coco
2 - Mãe de quatro filhos, Martinha incluiu a família nas rodas de samba de coco, maracatu e cirandas. A filha mais velha, Érika Leonardo, foi dançarina da banda de Martinha. A segunda, Jéssica Leonardo, participou de rodas, mas preferiu seguir carreira administrativa. O caçula Michael Leonardo passou pela roda tocando caixa na percussão. Heitor Leonardo, terceiro filho da artista, é o único remanescente na banda, em que é o pandeirista. “Esse é grande charme da cultura popular, a criança pode ter acabado de nascer, que já damos um chocalho para ela participar das rodas”, diz.
Guerreira, Martinha do Coco fez de tudo um pouco: trabalhou como faxineira, copeira, babá, mas, sobretudo, sempre foi artista. Moradora do Distrito Federal desde 1979, Martinha conheceu realmente a cultura da capital trabalhando como gari. “Eu trabalhava em uma equipe que rodava todas as regiões administrativas, então foi assim que conheci Brasília, em meio a limpezas, nos intervalos do trabalho, junto aos estudos e filhos para cuidar. Brinco que Martinha do Coco descobriu a cultura do DF varrendo.”
Na cultura popular, Martinha encontrou abrigo. As rodas de maracatu do Paranoá, cidade onde vive há mais de 30 anos, estimularam a artista, que lançou trabalhos autorais sempre tendo como inspiração as origens em Pernambuco e os ensinamentos da mãe, Josefa Leonardo. “O que minha mãe me passou em todos esses anos, o que ela me ensinou quando viemos para Brasília, sempre me inspirou e mostro isso nas minhas músicas”, conta a artista.
Clarice Gonçalves
3 - A artista plástica brasiliense Clarice Gonçalves atua no mundo das artes com o feminino sempre presente nos trabalhos. Mãe de Hector, 6 anos, ela incorpora a questão artística visual à família. “Estive presente com minha mãe dando suporte quando ela trouxe minha irmãzinha ao mundo, por vezes me sentia pai, “irmãe”, responsável por este serzinho. Por ler sobre o feminino por meio de diversas fontes e vieses, parte de mim se achava bem preparada para a maternidade. Mas o gestar, parir, lactar me trouxeram para a realidade de que somos animais, mamíferos, me dei conta dessa corporeidade instintiva e visceral que tenho integrado cada vez mais até hoje e que cada vez mais é traduzida para a minha pintura”, explica.
Mesmo antes da gravidez, a maternidade estava presente nas obras de Clarice. Durante a formação acadêmica, ela investia na temática para as produções e para pesquisas. “Venho de três gerações de mães solteiras, isso me impulsionou a tentar entender de todas as formas possíveis a complexidade de se nascer com um útero nessa sociedade”, conta a artista.
Com isso, a pintora percebe que há uma cobrança equivocada acerca do ser mãe e é necessário desconstruir esta visão romantizada e idealizada da maternidade. “Se acredita que a mãe tem que dar conta de tudo, e por algum tempo, até nós, mães, acreditamos e perpetuamos isso, até que eventualmente entramos em colapso”, pontua. “Hector é fonte constante de aprendizado, crescimento e transformação para mim. A cada dia, quero ser uma pessoa melhor para ele e para a sociedade”, declara Clarice.
Lucélia Freire
4 - A atriz, diretora e proprietária da No Ato Produções, Lucélia Freire divide o tempo disponível entre apresentações teatrais, o trabalho como professora no curso de iniciação teatral e a responsabilidade de cuidar do filho, Davi. O menino de 6 anos é fonte de inspiração para a atriz. “A maternidade me inspira em vários trabalhos. Meu filho foi diagnosticado com autismo leve. Antes de ser mãe, eu trabalhava com ensino especial, mas depois do diagnóstico do Davi, a vontade de voltar para sala no ensino especial foi muito maior. A maternidade me inspirou no trabalho artístico, como na peça Copo de leite, que fala bastante da minha maternidade, e ela me inspira o tempo inteiro quanto mulher e quanto fortaleza, que acho que cada mãe é uma fortaleza”, revela Lucélia. “Davi me ensina todo dia, sempre. Ele é uma universidade ambulante”, completa.
Depois da gravidez de Davi, Lucélia teve uma nova percepção sobre a própria mãe. “Entendi muitos lugares da minha mãe que antes não entendia, esses lugares do qual ela se privou para que eu e meus irmãos pudessem ter. Minha mãe parou a vida dela para que a gente pudesse dar continuidade a nossa e hoje entendo que talvez eu não precise me privar tanto para que meu filho tenha”, conta a atriz.
Juliana Drummond
5 - Atriz, diretora e coreógrafa, com 25 anos de carreira, Juliana Drummond viu a perspectiva de vida mudar completamente há nove anos, quando nasceu Francisco, filho da artista. “O Francisco é uma criança muito desejada e veio em um momento único para mim. Nasci novamente com ele, tenho esse marco de toda a gestação e nascimento do meu filho, porque nasceu uma nova Juliana, uma mãe. Tudo se torna uma novidade”, relembra.
Filho de dois artistas, Francisco está desde o início da vida ligado à arte, mas sem pressão para seguir os passos da família. “À medida que fui retomando minha carreira, ele sempre esteve ao meu lado. Então, quando ele tinha dois meses de vida, estava em temporada teatral e o levava para os ensaios, ele ficava com o pai e, em meio a um intervalo e outro, eu o amamentava e voltava para cena. Um grande marco também foi que, com 9 meses ele deu os primeiros passos no Teatro Garagem.”
A relação de parceria entre mãe e filho se aflorou nos últimos meses. Com a quarentena, os dois passaram a conviver 24 horas juntos, no mesmo espaço. No perfil oficial da artista, ela compartilha um pouco da convivência em fotos divertidas com o filho. “É muito maravilhoso. Nenhuma família teve um momento tão dedicado ao filho como todos estamos tendo agora. Temos altos e baixos como qualquer relação, mas é um exercício de paciência, resiliência e entrega”, completa.
Juliana Zancanaro
6 - Atriz, publicitária, roteirista, locutora, produtora e mãe de Leo, 7 anos, e de Lugh, 12, Juliana Zancanaro conta que passou a compreender as referências, em plenitude, quando se enxergou no papel. “É um propulsor de autoconhecimento e de reinvenção todo o tempo. Nada mexe tanto com os nossos sentimentos de zero a mil. Ensinamos, mas aprendemos muito com eles também”, reflete.
Na vida artística, a maternidade trouxe desafios, mas também possibilidades, como o uso da arte como referência e a troca de conhecimentos. “Eles passaram a ser o meu primeiro público, me dão feedback e, por estarem em um ambiente artístico livre, acabam sendo estimulados criativamente. Na minha reinvenção artística para a internet, agora na quarentena, eles têm me ajudado com a parte de tecnologia também”, diz, entre risos.
*Estagiários sob supervisão de Igor Silveira
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