Cidades

Pacientes, enfermeiros e médicos relatam drama por trás das estatísticas

Em meio ao combate contra o novo coronavírus, o Correio destaca histórias de pessoas que enfrentam essa doença. Pacientes, enfermeiros e médicos relatam o drama que está por trás das estatísticas da covid-19

Correio Braziliense
postado em 11/05/2020 06:00
''Em anos anteriores, nos preparamos para várias epidemias, mas nada como agora. O que estamos vivendo é diferente. Isso resulta em um nível de estresse imensurável'' 

Joana D'arc Gonçalves, infectologista do HranPor trás de cada número do novo coronavírus, existem várias vidas, dramas, tragédias e vitórias. Uma pessoa infectada gera sentimentos de angústia e preocupação em familiares e amigos, e mobiliza os cuidados e atenções de diferentes profissionais de saúde, que também sentem o peso emocional de encarar a doença. Com a crescente curva de casos sobre contaminados e falecidos pela covid-19, aumenta também a pressão de quem convive diariamente com esses riscos. “Sentimos insegurança e medo, igual a todo mundo”, afirma Joana D’arc Gonçalves, infectologista do Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

A médica é uma das profissionais de saúde que está na linha de frente do combate ao coronavírus no Distrito Federal. Atuando na área há mais de 20 anos, ela diz que nunca presenciou um momento como esse. “Em anos anteriores, nos preparamos para várias epidemias, mas nada como agora. O que estamos vivendo é diferente. Isso resulta em um nível de estresse imensurável”, avalia. A rotina de Joana D’arc é praticamente toda dedicada ao trabalho, com atendimentos, tratamentos, estudos de pesquisas sobre medicações de combate ao coronavírus e mensagens no celular com colegas e familiares durante quase 24 horas. “Não existe dia, noite ou fim de semana, a realidade é bem complexa”, afirma.

O Hran é o hospital de referência para atender aos casos de coronavírus. Boa parte dos pacientes que chega ao local está com sintomas e carga viral maior, de acordo com a infectologista. “Temos que estar muito bem preparados, vigilantes o tempo todo e com uma preocupação enorme, porque nunca sabemos o estado do paciente que está na nossa frente”, lembra.

Além da população em geral, os próprios profissionais acabam sofrendo com as contaminações. “Temos colegas que foram infectados e passaram por situações de gravidade. Confesso que é algo que dá vontade de chorar, nos sentimos muito impotentes. A maioria das pessoas que trabalha na saúde tem como missão querer fazer o bem, salvar, e acabam se arriscando mais, se infectando mais e morrendo mais”, lamenta a médica.

Isolada de toda a família, Joana só vê a filha, que mora com ela e não sai de casa. O que alivia nesses momentos são os encontros virtuais por ligações de vídeo. Quando surge um tempo raro, a infectologista recorre à meditação e leitura de temas diferentes do que encontra na realidade. “É preciso fazer isso para aliviar, porque o profissional da saúde é igual a todo mundo. Temos nossas carências de afeto, nossos medos. Mas queremos ajudar e não podemos parar de trabalhar. Enquanto isso, vamos comemorando vitórias, como a que tivemos recentemente, da primeira paciente que foi para a UTI do Hran e sobreviveu. Nesses momentos, a gente chora de alegria, porque é como se a pessoa tratada fosse da nossa família, já que passamos esse tempo todo no hospital”, conta.

O senso de responsabilidade também é grande para a técnica de enfermagem Cristiane Diniz. “A maior dificuldade é lidar com o emocional”, relata. Durante a carga horária, ela atende pacientes suspeitos e confirmados com a covid-19 na área de internação. O medo é transformado pela motivação em ajudar o próximo. “É um pouco mais desgastante, porque o trabalho, em si, dobra. Temos que ter muito mais cuidado, devido ao contato próximo com o paciente”, explica.

Com a pandemia, a rotina no hospital também mudou. Algumas medidas foram adotadas para garantir a prevenção do contágio do novo coronavírus. Entre tantos desafios enfrentados, o maior, para a técnica de enfermagem, é acalmar os pacientes infectados e trazer segurança. “Certa noite, um paciente me chamou porque queria conversar. Pediu para passear comigo no hospital, mas expliquei que não podia. O nosso principal papel nesse momento é tranquilizá-los”, define.

Para enfrentar a doença, a profissional decidiu evitar notícias negativas e valorizar os momentos bons. “Caso contrário, não vamos conseguir. A gente tem que respirar fundo sempre”, desabafa. O hospital no qual trabalha oferece atendimento psicológico aos funcionários. “Eu voltei de férias no momento em que a pandemia tinha começado. No início, pensei em desistir. Mas a psicóloga me atendeu e me ajudou a lidar com a situação”, explica a técnica de enfermagem.

O contato direto com pacientes infectados pela covid-19 faz com que o clínico geral Marcos Pontes seja ainda mais meticuloso com o uso correto dos equipamentos de proteção. “A exposição é muito maior para os profissionais de saúde e, no meu caso, como decidi não me afastar da minha família, o cuidado deve ser dobrado”, explica. O médico atua no Hran e recebe pacientes que foram atendidos em outras unidades, com indicativo para coronavírus. “A estrutura do hospital ajuda bastante e facilita o trabalho. Além de acesso aos instrumentos para atuação, temos um corpo técnico preparado com médicos experientes”, acrescenta.

Além do Hran, Marcos alterna a rotina em outros dois hospitais. “O ritmo de trabalho não mudou tanto com a pandemia, mas inseri hábitos mais saudáveis para cuidar da imunidade”, conta. Alimentação controlada, sono em dia e trabalhar a inteligência emocional são algumas das atitudes do profissional. Para ele, porém, a principal dificuldade é a falta de informação pela sociedade sobre os sintomas, a gravidade da doença, a contaminação e o tratamento. “O conhecimento ajuda muito, e, sem ele, há pânico. Se a pessoa deixar o medo ser maior, isso será maléfico”, opina. A união no trabalho é o principal elemento para o enfrentamento da doença. “Todos estamos no mesmo barco. Juntos somos mais fortes. Esse momento difícil nos aproxima da fé e acredito que, quando tudo acabar, as pessoas vão sair mais fortalecidas”, conclui.


Depoimento


Cartas solidárias

Um projeto desenvolvido na Universidade de Brasília (UnB) produziu cartas com poemas, citações, recados e muita gratidão para os profissionais que trabalham em unidades de saúde do DF. A entrega dos textos foi realizada nesta semana no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), pela professora de terapia ocupacional da UnB Flávia Mazitelli, que detalhou a ação ao Correio. Confira:

“O projeto é uma das ações do Grupo de Trabalho de Promoção e Prevenção, coordenado pela professora Josenaide Engracia, que integra o Plano de Contingência em Saúde Mental e Apoio Psicossocial, coordenado pela professora Larissa Polejack. Toda a comunidade acadêmica — estudantes, docentes e técnicos administrativos — é convidada a escrever cartas de solidariedade aos profissionais que atuam na linha de frente do enfrentamento à covid-19.

Esses profissionais não são apenas os da saúde, mas também os da segurança, serviços gerais, vigilância sanitária, nutrição, cozinha e outros. Os textos chegam no nosso e-mail promo.prev2020@gamil.com. Passamos para papéis de carta e as direcionamos aos profissionais. Inicialmente ,foram enviadas ao Hospital Universitário de Brasília (HUB) e, posteriormente, também encaminhadas ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran), referência no combate ao coronavírus. Foi emocionante poder representar minha universidade e levar palavras singelas de apoio e empatia a esses profissionais, que estão abrindo mão de tanta coisa e passando por situações inimagináveis. Poder contribuir com tanto afeto e solidariedade foi um presente para mim! Em um momento tão difícil como esse, manifestações de empatia e compaixão são fundamentais.”


Trechos das cartas

“Você é imprescindível para a nossa sociedade, merece os nossos melhores elogios. Lembre-se disso diariamente! Desejamos que a sua luta assegure muitas conquistas, pois,a maior delas você acaba de conquistar: a gratidão”

“Gostaria de desejar-lhes muito afeto, força e carinho em agradecimento ao trabalho de vocês. O trabalho que vocês têm desempenhado tem sido extremamente corajoso e inspirador. Estes tempos difíceis nos têm exigido senso de responsabilidade coletiva e humanidade em dobro, e a resiliência e o cuidado de vocês têm nos ensinado, dia a dia, sobre este senso”

“Imaginamos que não seja fácil chegar ao ambiente de trabalho e se deparar com os impactos causados pela covid-19, mas você está nos mostrando que honra a farda, que a profissão vai além de cuidar de um patrimônio.”


O primeiro atendimento 

Vera Trajano: ''Chega muita gente com suspeita na UBS, é um trabalho intenso''A orientação da Secretaria de Saúde para pessoas com sintomas da doença e dificuldade respiratória é procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima de casa. Por isso, quem trabalha nesses locais acaba tendo os primeiros contatos com suspeitas de infecção, o que requer o máximo de cuidado possível para evitar contaminações. É essa pressão que Vera Trajano Ribeiro, 41, enfrenta diariamente. A enfermeira e técnica de laboratório está lotada na UBS da Asa Norte. Ela sai de casa, em Planaltina de Goiás, por volta das 6h30, e só retorna às 19h30.

“Chega muita gente com suspeita (da doença) na UBS, é um trabalho intenso e muito cuidadoso. Também faço visita domiciliar dos pacientes idosos que têm sintomas, mas não conseguem ir ao posto de saúde”, conta. Vera destaca que são os enfermeiros que sempre têm mais contato com os pacientes. “Vejo que as pessoas estão reconhecendo nosso trabalho. Tinha gente que nem falava com a gente no hospital, só queria falar com o médico”, relata.

O cotidiano de Vera também não é mais o mesmo. Fora do serviço, ela tenta manter a saúde mental enquanto convive com o distanciamento. Vera ama a profissão e confessa que anda cansada, mas consciente do papel importante que faz. “Estou em paz. Peço que todos façam a sua parte, usem máscara, fiquem em casa, respeitem as recomendações e se preservem, porque essa doença não afeta só idoso”, adverte.

Distanciamento

O drama dos pacientes é diário. As incertezas após o diagnóstico afetam o emocional das pessoas. Pedro Henrique Nascimento, 21, recebeu o teste positivo em abril e ficou angustiado. “Estava com tosse e dor na garganta. Depois, comecei a sentir dor no peito e liguei para o hospital. Quando fiz o exame, que constatou a covid-19, fiquei desesperado”,  lembra o estudante. O jovem ficou uma semana tratando os sintomas em um hospital particular e, depois, recebeu alta para continuar a quarentena em casa.

“O período de isolamento é necessário, mas é muito ruim estar doente. Eu moro sozinho, tenho familiares em outros estados. Isso também pesou”, conta Pedro. Para amenizar o período difícil, ele ocupou a cabeça com outros assuntos. “Antes da infecção, eu ficava toda hora acompanhando o número de contaminados. Tentei me desligar dessas coisas depois. Deletei minhas redes sociais, foquei em cuidar da casa, tirei momentos do dia só para mim”, explica.

Agora curado, ele ressalta a importância da colaboração de todos para o combate da doença. “Quanto mais as pessoas se isolarem agora, respeitarem as recomendações, mais cedo tudo isso vai passar”, avalia o jovem.

Febre, enjoo, tosse seca e dor de barriga foram alguns dos sintomas sentidos por Gisllayne Mauriv, 50. “A consultora técnica descobriu que estava contaminada pelo coronavírus depois de 12 dias com a doença. “Certo dia, acordei com uma indisposição muito grande. Não estava sentindo cheiro de nada. Comecei a ter febre,  a temperatura chegou a 39°C. Liguei para o Samu e me falaram que era dengue”, relembra. 

À época, os exames ainda estavam escassos no DF, e o único que Gisllayne conseguiu fazer foi para dengue. “Deu negativo, então comecei a suspeitar da covid-19. Cheguei a ir ao Hran, mas os testes estavam sendo feitos apenas pelos médicos. A sorte foi que na mesma semana eles implantaram o telesus, e relatei meu caso por telefone. A médica confirmou que os sintomas batiam com o coronavírus”, conta.

“Os dias foram difíceis. Eu suava muito e ficava fria como se fosse desmaiar. Um dia fui ao banheiro de madrugada e comecei a ver tudo rodando. No caminho para o quarto, caí. Achei que ia morrer, mas tive forças para chamar minha filha”, relata.

Apesar do contato próximo, a filha dela não foi infectada pela doença. “Nós duas fizemos o teste e o dela deu negativo”, disse, aliviada. A doença mexeu com o psicológico de Gisllayne. “Eu fiquei muito nervosa. Não sabia o que podia acontecer, porque os sintomas vão ficando piores com o passar dos dias”. Hoje, ela alerta: “Queria pedir para que as pessoas levassem a doença a sério. A gente não sabe quando tudo vai passar e precisamos nos proteger ao máximo”. 

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