Correio Braziliense
postado em 11/05/2020 04:42
Como nomear aquele aperto no peito? Como entender as noites maldormidas? Como explicar o choro fora de hora? Como encaixar esse quebra-cabeça de emoções? Diante da desconhecida covid-19 e dos impactos e desdobramentos da doença que surgem a cada dia, identificar e lidar com os sentimentos tornaram-se demandas coletivas. A preocupação com a saúde mental está entre os principais reflexos da pandemia do novo coronavírus e a escuta dessas vozes se faz ainda mais relevante.
Criado há mais de 50 anos, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta um serviço, voluntário e gratuito, de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar sob total sigilo e anonimato. Ao todo, são 3 milhões de atendimentos por ano no Brasil.
Porta-voz nacional do centro e voluntária em Brasília há nove anos, Leila Herédia relata que o número de ligações, neste período de distanciamento social, não variou. “Mas as pessoas estão falando mais de temas ligados à pandemia, como a angústia, a solidão, o medo da morte, a preocupação com pessoas que queria estar perto, mas não se pode estar em contato, o fato de estar privado de determinadas atividades, a própria tensão que vive no dia a dia, a incerteza com o futuro”, detalha.
Na percepção de Leila, as conversas ficaram mais longas. “Minha impressão é de que as pessoas sentem mais vontade de falar”, pontua. Apesar de ser uma situação coletiva e um problema comum, que o mundo todo enfrenta, o foco do CVV está no sentimento individual. “Cada pessoa vai sentir de uma forma. Nosso foco é no que a pessoa está vivendo. Está sendo mais difícil, por que ela está sentindo medo? O CVV permite o desabafo para que a pessoa consiga lidar melhor com os sentimentos”, afirma.
A porta-voz destaca que os atendimentos do centro em momento algum substituem a terapia ou o acompanhamento médico. “Não existe nenhum tipo de aconselhamento. É uma espécie de pronto-socorro emocional. Não vamos substituir médico ou terapeuta, vamos agir no aqui e no agora”, esclarece. Ao falar e conversar, é possível reorientar as ideias e perceber, dentro de cada um, como enfrentar as situações. “À medida que a pessoa vai falando, ela busca recursos internos para passar por uma determinada situação, dá nome aos sentimentos, ajuda a esvaziar e a liberar aquele efeito de panela de pressão”, comenta Leila.
Angústia, insegurança, medo e solidão não são palavras ou emoções novas no vocabulário humano. Contudo, a partir do momento que a pessoa está passando por uma situação diferente e tendo que lidar com esses sentimentos, é tudo novidade. “Conversamos do momento atual, do que estamos vivendo. Cada dor é única”, afirma a voluntária.
Adaptação
Em todo o Brasil, o CVV atua com mais de 4 mil voluntários distribuídos em mais de 100 postos. Neste período de enfrentamento ao novo coronavírus, o serviço se organizou também para atender aos voluntários e viabilizar outras formas de atendimento, como o remoto, seguindo todas as orientações das autoridades internacionais. As palestras presenciais, bem como as capacitações, foram suspensas.
A equipe de voluntários do Distrito Federal promove reuniões semanais, agora mantidas de forma virtual, para manter um contato mais próximo e conseguir sustentar essa forma de cuidado coletivo.
"As pessoas estão falando mais de temas ligados
à pandemia, como a angústia, a solidão, o medo da morte,
a preocupação com pessoas que queria estar perto, mas
não se pode estar em contato”
Leila Herédia,
porta-voz nacional do CVV
Como ligar
Como ligar
Chamada gratuita, 24 horas, pelo número 188
Informações no site www.cvv.org.br
>> ponto a ponto Guilherme Spadini
>> ponto a ponto Guilherme Spadini
Comunicar os sentimentos
Às vezes, a gente subestima o poder que a comunicação tem. Comunicar tem várias funções. Quando a gente tenta comunicar, a gente se obriga a prestar atenção, é um exercício de investigação interna. A nossa própria consciência é uma forma de conversa com a gente mesmo, é o nosso pensamento falando. Vamos passando pela vida, por emoções, por ideias. Além disso, quando você dá nome para as coisas, quando você chama aquela sensação de tristeza, de ansiedade, de medo, de preocupação, fica mais fácil. Ela fica mais familiar e você acessa com mais familiaridade. É como nomear um bicho selvagem que você domestica, se apropriando dele. Você está domesticando aquele sentimento.
Desenvolver a calma
Você não tem como mudar o mundo, só tem como mudar a sua atitude. Temos uma ideia, meio inocente, de otimismo. De achar que as coisas vão acontecer do jeito que a gente quer. Em uma situação como a pandemia, na qual o pessimismo está generalizado, o estranhamento nos libera para olhar para aquilo que a gente pode controlar: as nossas emoções. É o que chamamos de pessimismo universal. O mundo não está a meu favor. Se você tiver isso como expectativa, você sai mais preparado para enfrentar a vida de uma maneira mais calma.
Dicas
Existem muitas técnicas possíveis e algumas se tem falado em exaustão, como meditar, manter a rotina, ter contato com pessoas e não deixar o isolamento te manter realmente isolado. Diria para, regularmente, a pessoa sentar e fazer um download do que está em sua cabeça, sem compromisso, sem tema. Pode ser em desenho, música. Do jeito que a pessoa melhor se expressar. É um hábito com evidências científicas do quanto acalma.
Angústia coletiva
O interessante de estar todo mundo falando sobre isso é que ajuda a desenvolver técnicas para lidar com a dificuldade. Pessoas muito ansiosas, que já têm uma tendência a lidar de maneira negativa, acham que o mundo é uma ameaça, que está todo mundo contra elas e, por isso, sofrem tanto. Agora, todo mundo sofre. Ao viver o sofrimento sozinho, fica mais difícil enxergar os mecanismos e as razões que levam as pessoas a sofrerem tanto. Elas se projetam no mundo externo. Nesse momento, no qual as coisas externas são comuns, todo mundo está tendo que olhar o seu jeito de lidar com as coisas. É uma situação que tira a nossa ilusão de controle.
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