Cidades

Grupos de dança e igrejas tentam preservar a tradição dos festejos juninos

Os comerciantes também se reinventam para diminuir as perdas financeiras nesse momento difícil

Correio Braziliense
postado em 13/05/2020 06:00
Festas juninas geravam empregos e movimentavam a economia de várias regiões do DF com a venda de produtos típicos da épocaAlém das consequências para a saúde e para a economia, a pandemia do novo coronavírus mostra efeitos significativos no setor cultural. As tradicionais comemorações juninas começam a experimentar os prejuízos e, por enquanto, as entidades representativas do comércio ainda não têm estimativas das perdas previstas com essa brusca mudança. Ao mesmo tempo, a suspensão dos eventos colocou para baixo as expectativas de quem é entusiasta de uma das principais épocas festivas do ano.

Apaixonado pelas festas típicas há mais de duas décadas, o diretor de eventos da Liga Independente de Quadrilhas Juninas do Distrito Federal e Entorno, Robson Vilela, 36 anos, sente as consequências do momento de pandemia. “Quadrilhas juninas são um dos maiores movimentos de cultura do DF. São três meses de festa e, mesmo sem apoio do governo, procuramos outros meios para realizá-las”, conta o produtor cultural e morador do Sol Nascente.

Robson lembra que a corrente de pessoas envolvidas é extensa e emprega profissionais de inúmeras áreas. “Diversas costureiras esperam essa época do ano para receber um dinheiro a mais. Sapateiros, cenógrafos, trios de forró, brigadistas, montadores. Algumas quadrilhas gastam até R$ 60 mil para participar de competições. É dolorido não poder manter viva a cultura popular nordestina”, relata. “Mas estamos esperançosos para ver o ressurgimento da alegria da população. Sabemos que não vamos conseguir fazer isso em junho ou julho, mas, quando voltarmos, vamos trazer isso de volta.”

Robson Vilela e a família tentam preservar a tradição das quadrilhas juninas, apesar da pandemiaDecoradora de festas e vice-presidente da Quadrilha Espalha Brasa, Helen Mere, 39, atua no ramo há nove anos. Ela diz que os impactos também se refletem na parte da interação social. “Nossos dançarinos estão me cobrando: ‘Vamos voltar a ensaiar’. Só que não podemos. Está sendo bem complicado. Mas esperamos que ocorram eventos em agosto e setembro, se essa situação passar.” Ainda segundo Helen, os treinos têm acontecido por videoconferência. “Pedi para o pessoal mandar vídeos da coreografia das competições até onde criamos. Estou fazendo isso para ter um feedback dos dançarinos e para não ficar parada também”, completa.

Igrejas

Os eventos, geralmente, se estendem de maio a agosto e mexem com diferentes setores da economia, desde o momento da pré-produção até os dias que sucedem as festas. Algumas delas movimentam, inclusive, o turismo nas regiões administrativas; por isso, o fato de não ocorrerem neste ano afeta não só artistas e produtores culturais, mas também escolas, igrejas e clubes que promoviam os típicos festejos para complementar as receitas.

No caso das igrejas católicas, o prejuízo não se deve só ao cancelamento das festas juninas como também das celebrações religiosas. “Acreditamos que haverá uma redução de 70% nas entradas financeiras. Desde o último mês, tivemos uma diminuição significativa nas arrecadações por causa da suspensão das missas presenciais”, relata frei Messias Chaves Braga, do Santuário Nossa Senhora de Fátima — a Igrejinha da 307/308 Sul.

A tradicional festa em celebração à santa é uma das principais fontes de renda do local. “Entre 1º e 13 de maio, sempre reuníamos um grande número de fiéis. Além da parte religiosa, tinha a parte social, assegurada por meio das vendas nas barraquinhas. Esse evento era a possibilidade de angariar recursos para a manutenção do templo e também para mantermos os atendimentos sociais”, conta o frei.

Apesar das dificuldades financeiras, as igrejas têm tentado driblar o momento de distanciamento social com transmissões de missas e cultos pela internet nas datas mais importantes para os cristãos. Assim como no Santuário Nossa Senhora de Fátima, neste ano, a Paróquia Nossa Senhora do Rosário, no Lago Sul, terá celebrações virtuais nos dias dedicados a São Pedro, Santo Antônio e São João.

Na tentativa de compensar o cancelamento das festas juninas, a equipe paroquial deve usar referências a elementos juninos durante a celebração de Nossa Senhora Aparecida, em outubro. O padre responsável pela igreja, Delson Zacarias dos Santos, lamenta as consequências provocadas pela ausência de fiéis no templo. “Sofremos um grande impacto na convivência entre as famílias da comunidade e na condição financeira. Essas festas são a oportunidade de as paróquias conseguirem recursos. Assim como todo mundo, nós também sofremos esse baque, pois vivemos de doações e de eventos assim”, comenta Delson.

Comércio

Lojas que vendem itens para festas não têm autorização para funcionar por enquanto no DF. Entidade que representa o setor, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF) informou que ainda não tem levantamentos sobre o período junino deste ano. O Sindicato do Comércio Varejista (Sindivarejista-DF) comunicou que deve publicar um balanço no fim de maio.

O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-DF), José Carlos Magalhães Pinto, reitera que ainda não é possível calcular os danos para o setor. No entanto, o empresário considera que serão grandes. “Algumas festas podem ser adiadas, mas não terão o mesmo encanto. A perda para essas empresas será de praticamente 100%. Algumas não chegaram a fazer estoque. Para as que fizeram, não deu para cancelar. Em alguns casos, muitos desses estoques não são perecíveis, então dá para minimizar o prejuízo, guardando para o ano que vem, mas muita mão de obra será dispensada”, observa José Carlos.

A empresária Adriana Maria de Jesus, 50, comercializa artigos de festa em uma loja no Lago Sul. Como saída para conseguir algum faturamento neste período, ela apostou no atendimento drive-thru. Porém, mesmo com esse sistema de vendas, a empresária espera uma redução drástica nos lucros em comparação ao meio do ano passado. “O impacto será muito grande, porque trabalhamos com essas datas sazonais. As festas juninas mobilizam igrejas e escolas, e nós trabalhamos com fantasias e decoração, então o prejuízo será grande”, acredita.

Aglomeração

Para o secretário de Cultura do DF, Bartolomeu Rodrigues, os resultados da crise nessa área são perceptíveis desde as festas de comemoração aos 60 anos de Brasília, que não aconteceram. “Festas juninas não são eventos que o GDF (Governo do Distrito Federal) promove, mas, de certa forma, envolvem recursos públicos. A maioria deles são feitos por (repasse de) emendas parlamentares. Há grupos ensaiando em casa, mas, realisticamente falando, não está em nosso planejamento, ao menos por enquanto, falar em festa junina com a evolução da pandemia no país”, pondera.

O secretário reconhece que a tradição tem força no DF e lamenta o que tem acontecido, sobretudo na área de eventos. No entanto, ele lembra que a pasta lançou três editais desde o início da pandemia, totalizando R$ 17 milhões, para amenizar os efeitos da crise no setor da economia criativa. “Em algumas áreas culturais, temos de pensar alternativas do que devemos fazer. Talvez, uma verdadeira reinvenção dessas manifestações, para não deixar morrerem esses momentos. Só que alguns deles, caracteristicamente, envolvem contato físico, aglomeração. E isso é algo que não podemos, em hipótese alguma, imaginar fazer agora”, ressalta.

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