Correio Braziliense
postado em 15/05/2020 05:59
Defendido por cientistas e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das principais formas de combater a disseminação do novo coronavírus, o distanciamento social impediu que o Distrito Federal tivesse um avanço descontrolado da covid-19. Segundo projeções da Secretaria de Saúde feitas em abril, a estimativa era de que o DF chegasse a um total de 15 mil casos graves, com necessidade de unidades de terapia intensiva (UTIs), se não tivessem sido adotadas medidas mais rígidas. Com o isolamento, o número caiu para 700. Para especialistas ouvidos pelo Correio, as normas impediram uma catástrofe. Hoje, o DF tem 223 leitos de UTI disponíveis, e a intenção do GDF é de chegar a 900.
De acordo com a Secretaria de Saúde, as medidas de distanciamento (leia Memória) possibilitaram um achamento na curva de contaminações. “Ou seja, houve uma redução na velocidade de crescimento no número de casos infectados, internados e mortes, quando comparados com as projeções iniciais sem essas medidas”, informou a pasta, por meio da assessoria de imprensa.
Hemerson Luz, especialista em doenças infecciosas e médico dos hospitais de Base e das Forças Armadas (HFA), explica que o crescimento da covid-19 é exponencial, ou seja, cresce na multiplicação por uma constante e tende a se acentuar rapidamente. “Quando nada é feito, o número, geralmente, dobra a cada três dias. Para exemplificar, se hoje houvesse 2 mil, daqui a três dias teríamos 4 mil e, três dias depois, 6 mil e assim por diante”, esclareceu.
Segundo ele, o distanciamento social foi fundamental para evitar esse cenário no DF. “O nosso crescimento foi estável e bem menor. Teríamos uma catástrofe se não fossem essas medidas”, assegurou. “Isso permitiu que hoje o DF tenha disponibilidade de leitos de UTI, respiradores, leitos de enfermaria e acesso rápido ao diagnóstico”, acrescentou. O distanciamento também tem impacto direto na letalidade, que, no Distrito Federal, está abaixo da média nacional. “Sem isolamento, um número maior de pessoas estaria doente de uma vez só e não teríamos acesso a respiradores e suporte de saúde suficiente para todos. Isso seria crucial para o aumento da letalidade”, explicou Hemerson.
O diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaez, lembra que a epidemia começou de forma intensa na capital pelo fluxo grande de pessoas que chegavam do exterior. “Essa interdição muito precoce de escolas, comércios, grandes eventos e todo esse dispositivo que procurava diminuir a circulação das pessoas teve um impacto muito significativo para controlar isso.”
As medidas de contenção, avalia José David, também contribuíram para frear o ritmo de disseminação da covid-19 para a periferia e para as regiões mais populosas, onde o estrago poderia ser maior e mais acelerado. “Se isso não tivesse sido feito, não se teria cortado o fluxo entre as regiões centrais, e as periferias mais vulneráveis pelo deslocamento dos trabalhadores”, frisa.
Riscos
Para especialistas, o momento exige cautela para flexibilização e revisão das medidas tomadas anteriormente para evitar que o resultado obtido até agora perca efeito. “Nós podemos hoje abrir essa discussão de refletir e avaliar se podem ser relaxadas ou não, justamente, porque a estrutura que nós temos é adequada, mas é preciso ter a flexibilidade de tomar a decisão e depois voltar atrás se for preciso pela análise do cenário, como ocorreu nos últimos dias, com o adiamento da liberação do comércio”, ponderou Hemerson Luz. “Se não houver o cuidado de manter as recomendações, como uso de máscaras, evitar aglomeração e continuar com higienização, esse controle pode se perder.”
Para José David, o DF entrou em um conceito chamado de paradoxo da prevenção, quando os efeitos benéficos das medidas são usados para contestá-las. “Todo dispositivo preventivo potente e eficaz se torna o principal inimigo dele próprio nesse caso, como ocorreu com o sarampo. A vacina foi eficaz, reduzimos o problema e houve desmonte do programa. Quando as ações funcionam dão impressão de que não são necessárias”, ressaltou. “Mas a maneira de se garantir que não tenhamos uma catástrofe é manter essas medidas.”
A Secretaria de Saúde também reforçou que a população fique em casa e saia apenas em caso necessário. “Mais do que nunca, permanece esta recomendação, pois ela constitui a principal medida que a própria população deve adotar, diminuindo o risco de contágio. Vemos com preocupação que muitas pessoas não envolvidas com as atividades essenciais nem com aquelas atividades que estão liberadas para funcionamento voltaram a circular no Distrito Federal, o que pode contribuir para maior disseminação da doença”, informou a pasta.
Memória
Restrições por decreto
Em 11 de março, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou o fechamento de escolas e a suspensão de eventos realizados com autorização do GDF por causa da pandemia do novo coronavírus. Poucos dias depois, as restrições impostas foram ampliadas. Em 19 de março, chegou a vez de as atividades comerciais serem suspensas. O DF foi uma das primeiras unidades da Federação a adotar normas rígidas contra a covid-19. Algumas atividades foram liberadas posteriormente, como agências bancárias e feiras permanentes, mas parte do comércio segue fechada e há previsão de início gradual da abertura para 18 de maio.
Reforço e melhoria na estrutura do Entorno
Após reunião no Ministério da Saúde, o governador Ibaneis Rocha (MDB) disse que a rede pública do Distrito Federal receberá pacientes do Entorno até que a estrutura de atendimentos no Entorno seja reforçada. Uma das melhorias na região vizinha à capital é a construção do hospital de campanha de Águas Lindas (GO), distante 45km de Brasília. A unidade está pronta, custou R$ 15 milhões, mas ainda não foi inaugurada. Pela manhã, Ibaneis havia dito que editaria um decreto para impedir o atendimento de pacientes do Entorno com covid-19 na rede pública do Distrito Federal. Com o encontro no Ministério da Saúde, ele descartou essa possibilidade.
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