Cidades

À espera dos restaurantes

Conheça histórias de garçons de Brasília que, devido à pandemia, estão em casa ou correndo atrás do salário em estabelecimentos que trabalham com delivery. De acordo com a Abrasel, 6 mil perderam o emprego

Correio Braziliense
postado em 20/05/2020 04:07
O chef Francisco Ansiliero com a brigada de cozinha, em setembro de 2019, cuidou para que ninguém fosse demitido do Dom Francisco

A quarentena trouxe outra realidade para os garçons do Distrito Federal. Por força do decreto que fechou bares e restaurantes da cidade, a categoria se encontra em casa. Segundo dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-DF), houve 6 mil demissões ocorridas até agora. O número se refere a todos os trabalhadores do setor: cozinheiro, ajudante de cozinheiro, maître, garçom, auxiliar de cozinha e outros. Muitos empregadores conseguiram evitar o pior, orientando a equipe a recorrer ao auxílio-desemprego.

Na Galeteria Serrana (405 Sul), metade dos funcionários está em casa recebendo 80% do salário. “Depois de 60 dias, todos deverão voltar ao trabalho, o que deve ocorrer em 13 de junho”, informou o proprietário Luziano Oliveira, que pretende fazer “um escalonamento de pessoal”. A outra parte dos funcionários, que abrange o serviço de cozinha, está trabalhando no delivery. “Foi a grande salvação, embora não cubra todas as despesas”, diz Luziano, se referindo a aluguel do ponto, energia e outras taxas. Na galeteria, o delivery praticado todos os dias somente no horário do almoço e representa entre 40 a 45% do faturamento normal, informou.

“Passo o dia em casa cuidando dos filhos”, revela um dos garçons da Serrana. Luis Carlos Nascimento Silva, de 51 anos, que é brasiliense nascido de pai paraibano e mãe capixaba. Depois de dois casamentos, ele agora mora com a irmã, no mesmo terreno da casa dos pais, em Ceilândia. Lá, todos os dias, a mulher quando vai para o trabalho, deixa os filhos para Luis Carlos cuidar. É um casal: Carlos Daniel, de 11, e Mariele, de 7 anos. Além deles, há outros dois, também um casal, mas são adultos de 21 e 19 anos. Ao todo, o garçom paga quatro pensões alimentícias que são descontadas todos os meses do salário. “Sobra muito pouco do salário para o Luis”, reconhece Luziano Oliveira, para quem os dois filhos mais velhos poderiam estar emancipados, não necessitando mais da pensão do pai, pois ambos trabalham.

A experiência de Luis Carlos vem de diversos bons lugares da cidade. Ele foi garçom no Intervalo, Fritz, Lagash, Fiorella, do Senado, para citar quatro, mas teve uma época que “viveu de bico”. Por último, na Galeteria Serrana, encontrou o emprego ideal. “Luziano é mais que um pai, ele ajuda todas as pessoas que trabalham com ele”. E citou alguns bens, como celular e computador, que a equipe adquire com concordância do patrão, que desconta no salário.

Na mesma situação de Luis está o goiano José Aparecido da Silva, 47. Recorreu ao auxílio-desemprego orientado pelo patrão Francisco Ansiliero. “Ele (Francisco) e a filha Giuliana cuidaram para que ninguém fosse demitido”, destaca José Aparecido, que completará 20 anos de casa. Aos 18 anos, veio para o Distrito Federal e logo arrumou emprego no Lake’s Baby Beef na QI 11 do Lago Sul, onde o paranaense Zeli Ribeiro tocava um dos mais sofisticados e famosos restaurantes da cidade, depois transferido para a 402 Sul. “Foi uma escola para mim, apreendi tudo na prática com os maîtres Castelo e Cícero”, lembra o antigo cumim, que tem por função atender as mesas, anotar pedidos, servir guarnições, além de montar e desmontar mesas, conferir e controlar material de trabalho.

Depois de quatro anos e meio, José Aparecido foi contratado como garçom do Papagut, especializado em culinária capixaba, que funcionava na Academia de Tênis, tocado por dois sócios de um restô em Vitória. Quando ficou difícil conciliar as atividades com Brasília, os empresários devolveram o imóvel. Antes, porém, José Farani, proprietário de todo o espaço, sugeriu que Francisco Ansiliero ficasse com o negócio, já que comandava o Dom Francisco da Academia.



O chef-restaurateur assumiu o Papagut, que funcionava no térreo, e no andar de cima recebeu a primeira sede da Associação Brasileira de Sommeliers do Distrito Federal (ABS), cuja inauguração presidida por Antonio Duarte, que trouxe a agremiação para Brasília, e contou com os serviços do então jovem garçom goiano. De lá, foi transferido para o restaurante Dom Francisco da Asbac, aberto em 1993. Lá, José lembra, assumiu o posto de garçom em 16 de novembro de 2004. Hoje é mâitre.

Curioso e atento ao que o chef Francisco faz, o mâitre aprendeu algumas receitas ícones — arroz de brócolis, farofa de ovo, frango assado e cozido. Este é cardápio de casa, nos tempos de pandemia. Ele prepara o almoço com a filha caçula Laura, de 3  anos, e a quentinha da mulher, Maria de Lourdes, que leva para o trabalho numa concessionária da Asa Norte. O filho Gabriel Henrique, de 20, também está no mercado de trabalho.

Depois de pagar aluguel na Vila Planalto, o garçom comprou uma fração do Condomínio Residencial La Font, na estrada do Paranoá, onde cultiva mandioca, ervas e temperos na horta e árvores frutíferas. Ao entrar na quarentena, ele levou para casa um monte de produtos perecíveis que os Ansilieros distribuíram aos funcionários quando fecharam o restô. Na bolsa, batata, laranja, verduras e outras frutas. Da grife Dom Francisco, só funciona o da 402 Sul, em sistema de delivery.

A mesma sorte não teve o cearense Ozanan Chaves, 68, dos quais 43 dedicados à empresa que fundou o restaurante Piantella. Primeiro foi garçom do GAF (Lago Sul), de propriedade dos irmãos Antonio Bessa e Marco Aurélio Costa, com parceria de Roberto Levy. Fechado definitivamente há poucas semanas, o Piantella, então administrado por Roberto Peres, dispensou Ozanan, agora aposentado pelo INSS.

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