Cidades

Crônica da Cidade

Carreatas da insanidade

Correio Braziliense
postado em 20/05/2020 04:07
Ao assistir pela televisão as manifestações desrazoadas em frente ao Palácio da Alvorada, nas últimas semanas, contra a democracia, fiquei lembrando os grandes momentos de Brasília na Esplanada em favor da democracia. Brasília é uma cidade-monumento, cidade-signo, cidade-totem da brasilidade. Ela tem uma enorme carga simbólica.

A mobilização pelas Diretas Já em Brasília foi memorável. O maestro Jorge Antunes organizou a Sinfonia pelas Diretas, durante o célebre comício, em 1 de junho de 1984. A obra foi concebida para um declamador, uma orquestra de automóveis, baixo elétrico, bateria, guitarra elétrica, saxofone, efeitos eletrônicos e outros instrumentos.

Entre eles, figurava um naipe de panelas: “Um dia é da caça, o outro da caçarola”, dizia o poeta TT Catalão, autor dos textos da performance: “Sempre haverá luz que se atreva às trevas. Sempre haverá quem se atreva a ser feliz”.

Em 1992, os jovens pintaram os rostos e invadiram a Esplanada para protestar contra os desmandos de Fernando Collor. Recentemente, em agosto do ano passado, vimos uma grande passeata em defesa da educação, ameaçada pelo corte de verbas: “Educação acima de tudo”, dizia um cartaz. Foram mobilizações construtivas, legítimas, para defender valores democráticos.

Renato Russo, Fê Lemos e Dado Villa-Lobos eram adolescentes quando participaram de movimentos pela redemocratização do país. De todas essas ações, surgiram cidadãos e artistas que honram Brasília. Enquanto isso, as carreatas atuais são uma manifestação de insanidade.
Elas são reveladoras dos efeitos devastadores da ação dos vírus da ignorância, da irresponsabilidade e da confusão mental. Antes de tudo, desobedecem uma orientação médica e sanitária. Provocar aglomerações é uma insensatez no momento em que as mortes de cidadãos pela covid 19 ultrapassam a linha de 16 mil brasileiros.

Como se não bastasse, as manifestações pedem o fechamento do Congresso e do STF. O que atrapalha o presidente a governar é a sua insciência. Falam em nome do Brasil, mas ostentam a bandeira norte-americana. A livre expressão tem limites. Ameaçar a democracia não é direito de cidadania; é um delito contra a Constituição. Essas manifestações envergonham Brasília.

Com todas as contradições, essa cidade tem na arquitetura, no desenho, na formação e na alma os sinais da mais alta inteligência brasileira. Quando Brasília se apequena, o Brasil se rebaixa. Quando Brasília se eleva, o Brasil se dignifica. Como dizia Lucio Costa nos momentos de desinteligência do país: o Brasil não tem vocação para ser medíocre. E Brasília também não.

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