Cidades

Crônica da Cidade

Correio Braziliense
postado em 25/05/2020 04:30
A conta não fecha

Fim de semana costumava ser momento de almoçar fora, se reunir com amigos queridos, rever aqueles que estavam distantes, dar uma volta no Parque da Cidade, um mergulho na piscina do clube ou fazer uma rápida visita a Piri ou à Chapada dos Veadeiros. Tudo virou memória. Vontade não falta de voltar à velha rotina, poder quebrá-la com mais frequência e aproveitar cada segundo desses dias longos, mas que transcorrem tão rápido. É o tempo que demora a passar, tentando caber em horas que expiram num piscar de olhos. 

As controvérsias dessa quarentena não param por aí. Tem mais coisa nessa conta que não fecha. Para mim, o que estamos vivendo é uma guerra. Biológica. Contra o vírus. Invisível. Que questão econômica pode ser discutida quando é ele que nos paralisa e nos afoga na crise que já vinha tomando conta de muitos dos nossos empreendedores e trabalhadores?
 
Eu teria medo de sair às ruas se lá fora houvesse alguém com uma arma na mão atirando para todos os lados, como num jogo de roleta-russa, escolhendo quem vive e quem morre. Teria medo de levar um tiro e que meu corpo restasse estendido no chão. Teria medo de não poder ser salva por falta de ambulâncias, hospitais ou mesmo socorristas, médicos e enfermeiros. Teria medo que matassem alguém que amo. Teria medo que grande parte da população do meu país, essencialmente aqueles cidadãos que mais sofreram as consequências de viver em uma sociedade injusta e desigual, também não resistisse aos ferimentos.

Escapa-me à compreensão, diante do cenário de catástrofe mundial que vivemos, como pode sobreviver nesse mundo tanta falta de empatia. Sentimentos tão nocivos deveriam evaporar, tal água em ponto de ebulição, assim que emergissem à superfície e que alguém ousasse proferir qualquer palavra ou manifestar qualquer gesto de desprezo pela vida do outro.

Entendo todas as dificuldades que envolvem sobreviver a uma guerra. O isolamento penaliza - a quem fica em casa e a quem não pode tomar essa atitude de prevenção. São monstros adormecidos que ressurgem em angústias, temores, sofrimentos, choro, tristeza, mágoa, dor, agressões. E aqueles que precisam ser combatidos do lado de fora, com nossos rostos cobertos, os corpos distantes, a falta de abraço e o coração na mão.

Mas ignorar o perigo do vírus — leia-se: a pressão que ele impõe sobre um sistema de saúde há muito fragilizado —, me desculpem, já não é mais escapismo, é pura maldade.



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