Cidades

CB. Poder: epidemiologista diz que não é o momento de reabrir o comércio

Em entrevista ao CB.Poder, o professor do departamento de Saúde Coletiva da UnB explicou que, para a reabertura comercial, é necessária estratégia de vigilância

Correio Braziliense
postado em 25/05/2020 15:41
O epidemiologista acredita que ainda não há uma vigilância eficiente para reabrir o comércio“Não é o momento de abrir o comércio sem mostrar e organizar toda estratégia de vigilância que se faz necessária para que o ele possa abrir”. A declaração foi feita nesta segunda-feira (25/5) pelo epidemiologista e professor do departamento de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Jonas Brant, em entrevista ao CB.Poder, uma parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília. Para o professor, antes da reabertura é necessária uma estratégia de vigilância. “Eu acho que a abertura pode ser uma possibilidade desde que tenhamos conseguido resolver alguns problemas que são anteriores, entre eles o fortalecimento da vigilância epidemiológica, área que observa cada um dos infectados e analisa o contato que eles tiveram com outras pessoas”, explica. 

Mas, para Jonas, a área de vigilância sanitária, que vai inspecionar esses estabelecimentos e garantir que eles estejam funcionando de maneira adequada, ainda é um desafio. “Nós não estamos conseguindo fortalecer as ações na mesma velocidade que estamos reabrindo o comércio", aponta. Outra dificuldade é a falta de informação do número de leitos ocupados de paciente com covid-19 nos relatórios diários. "É um dos exemplos de que ainda não há controle suficiente de quantos contatos estão sendo monitorados por dia", afirma Jonas.

A normalidade na capital está longe de ser restabelecida e Jonas acredita que hoje é difícil prever um pico da doença. “Depende das ações que a gente adotar. Algumas modelagens sugerem que o pico da epidemia, se nós tivéssemos mantido as ações de duas ou três semanas atrás, seria ao redor de julho. No entanto nós estamos abrindo as atividades. Isso quer dizer que a transmissão vai aumentar e possivelmente o pico será antecipado e fique maior”, alerta. 

Entre as soluções apontadas para o enfrentamento da epidemia estão o isolamento social e uma vigilância ativa dos casos. “Hoje a lógica em Brasília é de vigilância passiva, onde espero que aquele sintomático respiratório venha buscar atendimento e preciso inverter esse processo. Eu preciso ir atrás de cada um desses casos, porque cada um que perco é um aumento dessa transmissão”, conta. 

Hospital de campanha

Para Jonas, a dificuldade em obter os equipamentos necessários para o paciente infectado e a falta de profissionais de saúde seriam os principais desafios para possibilitar o funcionamento de hospitais de campanhas prometidos pelo Governo do Distrito Federal (GDF). “O DF vem prometendo uma estruturação de um hospital de campanha que permita até 800 leitos, no entanto acredito que isso é muito difícil porque não há insumos disponíveis no mercado no mundo inteiro. Além disso, na hora que a gente aumenta 800 leitos, a gente tem que quadruplicar a quantidade dos profissionais de saúde e não temos quatro vezes mais profissionais”, explica o professor. Para ele, portanto, o DF não deveria contar com o número de leitos prometidos. “É muito pouco provável que a gente consiga tê-los a tempo dessa epidemia”, aponta. 

O DF registrou domingo nove mortes pela covid-19 é o pior dado até agora em um único dia. A gente percebe um aumento de casos? A que se deve isso  e qual é a recomendação agora?

A gente vê uma aceleração da epidemia. A gente chegou em um momento do início do isolamento social a ter uma duplicação da epidemia a cada 15 dias. Hoje, os dados já estão abaixo de dez dias, ou seja, a epidemia não só está crescendo, como está ganhando velocidade nesse crescimento. Realmente é uma situação preocupante, que a gente está colhendo os resultados de um cenário de abertura em que a gente está abrindo mais a sociedade, abrindo o contato e agora a gente começa a ver a aceleração dessa epidemia. 

O distanciamento social tem um impacto muito grande. Isso ainda é uma questão muito importante. As pessoas tem um pouco de dificuldade de entender a importância dessas medidas, porque ela é fundamental e como pode ajudar também? 

Eu tenho dito que nós precisamos fazer bem feito. Fazer mais ou menos não funciona. A gente precisa fazer um isolamento social efetivo, porque fazer mal feito é quase ter que fazer duas vezes. Então a gente está fazendo isolamento que não está sendo muito bom. O isolamento está caindo a cada dia. A gente começa a abrir uma série de atividades na sociedade e daqui alguns dias nós vamos ter que fazer um isolamento efetivo. Então é mais fácil a gente fazer efetivamente agora para poder colher o lucro disso  lá na frente de ter fechado, contido a epidemia, controlado os casos para depois abrir, do que abrir agora no meio da aceleração da epidemia. 

Porque o distanciamento é tão importante e como impede a transmissão?
O vírus precisa encontrar pessoas para ele sobreviver em um ambiente de maneira geral. Então ele precisa que uma pessoa entre em contato com a outra e é nesse contato que ele vai ganhando a transmissão. A gente tem visto que uma pessoa tem transmitido em geral para uma ou duas pessoas. Então a gente precisa que cada pessoa com sintoma respiratório se isole e isole também os seus contatos, porque essa doença começa a transmitir antes do início dos sintomas. Então a hora que eu percebi que eu estou com os sintomas eu tenho que me isolar e garantir que todas as pessoas que eu tive contato próximo fiquem isoladas também porque parte delas pode já estar infectada e pode manter essa cadeia de transmissão. 

Alguns decretos recentes autorizaram a abertura de comércios e shoppings. O que o senhor acha dessas medidas. Já era um momento para se pensar nisso? Tem um série de normas. É possível fazer isso com segurança?
Eu acho que a abertura ela pode ser uma estratégia de desde que eu tenha conseguido resolver alguns problemas que são anteriores. Um deles é o fortalecimento da vigilância epidemiológica, que é a área que junta os contatos, que junto com a atenção primária, vai atrás de cada um desses casos. A gente ainda não conseguiu organizar isso no Brasil como um todo. Ainda está muito frágil e a gente precisa que essa vigilância seja muito forte. A gente tem um outro desafio que é a área de vigilância sanitária, que vai inspecionar esses estabelecimentos e garantir que eles estejam funcionando de maneira adequada.Alguns lugares tentaram a abertura com uma série de regras também, mas não foram capazes de organizar essa fiscalização para a garantia de que esse isolamento funcione. A mensagem de maneira geral tem sido volte ao normal, e voltar ao normal é um erro. Nós vamos ter um aumento muito grande de casos. A mensagem não está clara. A mensagem hoje no DF e em muitas cidades hoje que estão tentando abrir é de que estamos abrindo porque é possível e não é esse o cenário. A mensagem tinha que ser muito clara: estamos abrindo, mas o cenário está piorando, fique em casa. Então eu acho que essa mensagem que está tudo sobre controle não é verdade e a gente vai ver um aumento do número de casos de pessoas infectadas e de óbitos da doença. Só saia de casa se for estritamente necessário e sai com um método. Quais são os momentos que você tem que passar o álcool na sua mão? Que você já tenha o álcool no bolso, onde na porta da sua casa você já tenha o lugar para trocar de roupa, onde você preste atenção em cada coisa que você encosta nesse ambiente ou em qualquer pessoa que chegue perto para que vocês estejam de máscara, para que vocês não encostem nas coisas e não levem a mão a máscara tentando arrumá-la sem ter passado a mão no álcool. São pequenas medidas, mas é com método que nós vamos conseguir evitar a contaminação da doença. 

Diante dessa liberações que já são uma realidade em vários setores e outros que vão se tornar nos próximos dias, quais são as medidas que deverão ser tomadas por esses estabelecimentos  e pelo próprio governo na fiscalização para garantir um pouco mais de segurança?
É importante que a gente consiga fazer o rastreamento de contatos. Isso ainda não está bem organizado e a gente precisa garantir que qualquer pessoa com sintoma respiratório fique em casa junto com os seus contatos. A gente precisa convencer a essas pessoas ficarem em casa para que a gente evite o aumento do propagação. É importante a gente entender que o momento atual é como se a gente tivesse virado um hospital. Eu preciso ter medidas de biossegurança, por isso eu falo de método. Pensar o álcool em gel sempre no bolso, pensar as rotinas para que eu não encoste em nada, para que eu saia de casa como uma estratégia, para que eu saia de casa com um objetivo específico e eu volte sem me infectar com a doença. 

Essas mudanças sanitárias que o senhor citou e esse cuidados que a gente passa a ter nesse momento. O senhor acha que é uma tendência que eles se tornem mais fortes depois que a gente conseguir controlar a epidemia? Alguns desses métodos a gente vai ter que adotar para as nossas vidas?
Sem dúvida nenhuma. Isso vai passar a ser parte da nossa rotina. Um exemplo simples: o brasileiro de maneira geral ele ia trabalhar com sintomas gripais leves.Ele não via problema. Hoje isso é um problema e a gente vai ter que passar adotar isso na nossa rotina, não só agora, porque muita gente ainda não se infectou. Então mesmo depois quando a gente consiga controlar essa epidemia, como é o cenário de alguns países que estão conseguindo, com uma boa busca de contatos, controlar, hora que ele começa a abrir a sociedade novamente, se ele não incorpora esse tipo de hábito, ele volta a ter surtos da doença. 
 
 


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