Cidades

Restaurantes na berlinda

O desafio de se manter apenas com entregas está fazendo com que estabelecimentos da cidade fechem as portas. Enquanto isso, empresas que estão conseguindo preservar a sua saúde financeira se reinventam nesta pandemia

Correio Braziliense
postado em 29/05/2020 04:06
Cliente do Beirute, Fernando Fonseca criou um espaço em casa com a cara do restaurante, além de escrever um livro com as memórias do local


Pedidos de casamento, noivados, aniversários e celebrações dos mais diversos tipos fazem parte da história de bares e restaurantes. Contudo, a chegada do novo coronavírus fez com que esses espaços, que reuniam tantas pessoas, deixem os salões isolados e passem a atender apenas por entrega. A alternativa não cobre todos os custos e fez com que muitos estabelecimentos fechassem as portas de vez.

Os bares e restaurantes que estão abertos se preocupam, mas tentam manter o otimismo. Inaugurado em 1966, o Beirute, com lojas na 109 Sul e 107 Norte, criou o “drive beira”, um serviço em que o cliente estaciona o carro e não precisa descer: um garçom faz o atendimento ali mesmo. “Oferecemos pratos rápidos, como esfirras e quibes, além de refrigerante e cerveja”, explica o proprietário, Francisco Emílio. O pagamento é feito na hora, e o cliente vai embora. Tudo é feito em questão de minutos, e sempre atendendo às medidas de segurança sanitárias, como uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento social.

O recurso é um complemento ao delivery e take-out. “Tem que ser bastante criativo, porque é um momento muito delicado, em que a gente trabalha com uma equipe enxuta. O formato do salão deve demorar a voltar, e a gente tem que buscar opções para os nossos clientes”, avalia Francisco. Ele conta que, devido à crise, precisou dispensar cerca de 11 funcionários em cada unidade (veja Desemprego). “Trabalhamos um dia após o outro. Já tivemos plano A, B, C, e D. Estamos pensando na reabertura, mas ainda existe uma situação imprevisível, porque as pessoas estão assustadas”, pondera. “Temos que manter o ânimo. Os restaurantes são uma parte cultural que a gente tem viva e não pode perder. Das mesas do Beirute, vi saírem peças de teatro, roteiros de cinema e bandas. Precisamos manter isso vivo, mas com as adaptações necessárias.”

Os clientes mais fiéis sentem saudade. O aposentado Fernando Fonseca, 66 anos, é um deles. Idoso, pré-diabético, hipertenso e obeso, ele está nos grupos de risco da covid-19, então não se arrisca a sair de casa. O carinho pelo restaurante é tão grande que, em 2009, organizou um livro com as histórias do lugar. “A comida é uma parte interessante, mas é o ambiente que seduziu a cidade”, define. Na falta do lugar, ele criou o que chama de “beirutinho”. “Gosto tanto do Beirute, que fiz um na minha casa. Tem uma daquelas mesas rústicas, e os mesmos bancos”, conta.

O Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar-DF) calcula que, aproximadamente, 360 empresas, entre bares, restaurantes e lanchonetes, não reabram depois da quarentena. “O mais alarmante é que esse número continua crescendo. O que deixa a gente preocupado é que até restaurantes tradicionais, que tinham clientela específica, estão encerrando as atividades”, destaca o presidente do sindicato, Jael Antônio da Silva.

De acordo com ele, o sindicato fez um diagnóstico da situação e enviou uma carta ao vice-governador, Paco Britto, pedindo a definição de uma data de reabertura dos bares e restaurantes. “Há três anos, o setor de bares viveu uma situação grave, mas estávamos acreditando na recuperação. Achávamos que este seria o nosso ano, mas vem isso e joga a gente lá embaixo”, lamenta.





Tradicionais
Com anos de experiência, e, em alguns casos, décadas, nomes tradicionais da gastronomia no DF não resistiram à crise e fecharam as portas: o Piantella, que funcionou por quase 45 anos, na Asa Sul; o Le Jardin, no Clube de Golf, com 10 anos; e o Fritz, da 404 Sul, que encerra as atividades a partir de junho, depois de 40 anos na capital, são alguns exemplos.

Na Asa Norte, quem deixa o espaço é o Genghis Khan, especializado em comida oriental e que há seis anos conquistava clientes. “Quando veio a decisão do fechamento total, eu estava me adaptando ao delivery. Não tinha dado tempo de formar público”, relata o proprietário, Matheus Takano. Ele chegou a montar o cardápio e a fazer as entregas, por 15 dias. Contudo, viu que não seria suficiente e optou por fechar o restaurante em 1º de abril. O anúncio nas redes sociais desencadeou uma série de mensagens entristecidas dos clientes. “Muitos estavam lembrando de momentos, como a primeira visita, ou uma festa, uma comemoração”, detalha.

Fora do Plano Piloto, locais de história lutam para segurar as pontas. Em Brazlândia, Wilmar Rodrigues, mais conhecido como Neguinho, tenta manter o Bar do Neguinho, que funciona há 28 anos, em frente à lagoa. “Está na hora de fechar as portas, porque a clientela sumiu. Se não puder reabrir logo, não sei se ainda duro este mês”, avalia.

Famoso pela galinha caipira, ele estima que o movimento teve queda de 90%. “Se tiver de fechar, não tenho um plano B. É quebrar e ver o que pode acontecer. Para quem vive do comércio há muitos anos, como eu, só resta esperar.” Até agora, ele tem se sustentado com as entregas e mantém o otimismo. “Se Deus ajudar a abrir até o dia 3, com todo o sistema que vamos fazer, todo mundo de máscara e organizado, vai dar para segurar.”





Inovação
Apesar da crise, a expectativa do retorno é maior. É com esperança que Ticiana Werner, dona do restaurante e bufê que leva o nome dela, toca uma reforma para dobrar o tamanho do salão. Além disso, ela vai inaugurar um bar de vinhos no espaço. “Estou entusiasmada, mas, ao mesmo tempo, com frio na barriga.” O ambiente novo poderá atender com mais conforto aos clientes, obedecendo o espaço de dois metros de distância entre as mesas.

A quarentena a obrigou a ampliar o serviço de entrega, que, até então, não era o carro-chefe da empresa. “O público procura coisas com preço bacana, mas o delivery tem um custo da taxa de entrega que acaba encarecendo.” O lucro reduzido a obrigou a diminuir o quadro de funcionários, demitindo cerca de 25 pessoas. “Mas eles vão voltar, assim que as coisas normalizarem”, garante. Para contornar os custos dos aplicativos de entregas, funcionários que antes trabalhavam como manobristas e garçons, agora, são motoboys, que atendem aos pedidos feitos pelo site do restaurante. “A taxa fica para eles. Foi uma forma de não despedir todo mundo.”

E na hora de atrair o público, vale tudo. Pizza em forma de coração, sabores diferentes a cada temporada, e parcerias com outros estabelecimentos são algumas das apostas de Gil Guimarães, dono da Baco Pizzaria, Casa Baco e Parrilla Burger. “No momento, as contas estão equilibradas, e seguimos firmes e fortes para a retomada. Mas ela é complicada, porque a gente sabe que vamos voltar com movimento fraco, muitas restrições e protocolos”, pondera.

Enquanto lida com as próprias contas, Gil aproveita para ajudar quem mais precisa. A distribuição de pizzas na rodoviária e a venda de vouchers nos restaurantes em que a renda é revertida para mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade, fazem parte das campanhas promovidas pelo empresário.




Saiba mais
» Bares e restaurantes do DF estão fechados desde 20 de março, e sem previsão para reabertura. Decisão faz parte do Decreto n° 40.539, publicado em edição extra do Diário Oficial do Distrito Federal, e assinado pelo governador Ibaneis Rocha.




Desemprego
Com a crise, funcionários de bares e restaurantes também foram prejudicados. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) calcula que, apenas no DF, a taxa de demissão no setor possa ser, até o momento, de 30%, o que corresponde a cerca de 30 mil pessoas. Outros 40% estão com os contratos suspensos, como afirma Rodrigo Freire, diretor da Abrasel-DF. “Em 30 dias, a gente vai ter esse número dobrado”, avalia.



Financiamento
Focado nos empresários, o BRB oferece uma linha de crédito de R$ 1 bilhão, com taxa de juros de 0,80% ao mês, prazo de carência de até seis meses, e prazo para pagamento de até 36 meses. A ideia é auxiliá-los a manter os negócios e contornar os impactos causados pela crise do coronavírus.




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