Correio Braziliense
postado em 03/06/2020 04:15
Nestes tempos áridos, tenho pensado muito na geração do rock da década de 1980, que participou intensamente das mobilizações pela redemocratização do país. Aqueles movimentos legaram consciência política e forjaram grandes artistas e grandes cidadãos.
É importante restituir essa memória no momento em que estamos assolados por carreatas da insanidade, que, em plena pandemia, usurpam os símbolos nacionais e atacam a imprensa, o STF e o Congresso Nacional, pilares da democracia. São manifestações que envergonham Brasília.
Por isso, é em boa hora que o canal Curta exibe o documentário Rock Brasília — Era de ouro, de Vladimir Carvalho. Com espírito obsessivo e tenacidade nordestina, ele filmou alguns dos principais momentos da saga de Brasília. Glauber Rocha escreveu que Vladimir era o Vertov das caatingas; ele se transformou no Vertov do cerrado, depois de 40 anos no Planalto. Trouxe para Brasília o espírito de inquietação da vertente documental do Cinema Novo.
Vladimir é capaz de acompanhar, com uma câmera na mão, um roqueiro durante 15 anos. Quando a fita estreia, o ex-guitarrista já se tornou evangélico, mas o nosso Vertov do cerrado não se desapega da devoção invencível pelo cinema. O amor de Vladimir por Brasília não exclui uma contundente visão crítica. Em seus filmes, ele revela o outro lado do cartão-postal e vai na contramão da história oficial.
Quando Vladimir decidiu fazer um documentário sobre a geração liderada por Renato Russo, alguns torceram o nariz. Por que este venerável senhor vai se meter com o rock? Vladimir sempre fez arte social e, para ele, Rock Brasília — A era de ouro é apenas uma extensão do seu projeto de fazer filmes políticos.
Em vez de fuzis, a geração de Renato Russo e cia empunhou guitarras para gritar contra a decadência do regime militar, a repressão nas superquadras, a pobreza de opções de lazer, o conformismo de parte da juventude e o mar de burocracia brasiliense oprimindo de todos os lados.
Vladimir fez uma crônica deliciosa, revelando o lado terno dos punks, filhos de professores universitários e diplomatas. São impagáveis as sequências em que Renato Russo perde um show do Aborto Elétrico no Cruzeiro porque estava no meio do cerrado, em certa hora determinada por Yoko Ono, para reverenciar o ídolo John Lennon.
Ou o depoimento de Silvia Seabra, a mãe de Philippe Seabra, guitarrista da Plebe Rude, ameaçando tomar um avião e dar umas bolachas no malsinado general Newton Cruz, chefe do SNI, depois da prisão do filho em Patos de Minas, durante um show da banda. É uma história de amor à democracia, à Brasília e ao Brasil. É um filme para lavar nossa alma brasiliense. Essa é uma história que dignifica Brasília.
PS: Rock Brasília será exibido, hoje, às 10h; sábado, às 14:25; e domingo, às 21h, no canal Curta
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