Correio Braziliense
postado em 04/06/2020 04:06
Enquanto o Distrito Federal luta para conter o avanço do novo coronavírus, a suspeita de que equipamentos hospitalares da rede pública foram desviados é investigada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Ontem, a operação In rem suam — em referência ao termo jurídico que significa em causa própria — foi deflagrada para apurar as possíveis irregularidades com o patrimônio da Secretaria de Saúde.
As investigações indicam que o médico Fabiano Dutra Duarte, diretor de Atenção à Saúde do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (Iges/DF), pode ter se aproveitado do momento de pandemia para desvio de equipamentos, sobretudo respiradores (essenciais para o tratamento da covid-19), com a intenção de revendê-los a particulares e ao próprio GDF. A defesa dele nega a acusação.
A suspeita, segundo a apuração, é de que faça parte do esquema uma empresa que oferecia os equipamentos ao poder público nos processos de aquisição por meio de contratos emergenciais, autorizados em razão da pandemia. Há indícios de peculato e advocacia administrativa.
A ação foi coordenada pela Divisão de Repressão ao Crime Organizado (Draco) da Polícia Civil, com apoio da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus) do MPDFT. Foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão nas residências dos supostos envolvidos, nas sedes do Iges/DF e da empresa, uma importadora de produtos hospitalares localizada no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA).
Alvo da operação In Rem Suam, o médico Fabiano também foi investigado na Operação Mister Hyde, que apurava a existência de uma máfia de órteses e próteses na capital (leia Memória). Ele teria queimado, segundo o MPDFT, documentos que comprovariam a atuação da Máfia das Próteses. Fabiano era coordenador técnico da ortopedia da Secretaria de Saúde à época e fazia parte do processo de compra e escolha de fornecedores das próteses. Ele foi preso preventivamente em outubro de 2016, por obstrução da Justiça, mas foi absolvido, em primeira instância, em 2017, e a 3ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios confirmou a absolvição, por unanimidade, por falta de provas, em 2018.
Antes de assumir o cargo de direção do Iges/DF, Fabiano era diretor do Hospital Regional de Santa Maria. Os investigadores receberam a denúncia de que ele teria tirado da unidade quatro respiradores. Chamado para depor, ele alegou que levou os aparelhos para manutenção e os devolveu. Também chamou a atenção dos investigadores a informação de que o médico teria procurado o Banco de Brasília (BRB) para indicar uma empresa da área quando a instituição financeira fez a compra de equipamentos do tipo para doação. O BRB não comprou os aparelhos da firma recomendada. Também é investigado o vínculo dele com os donos dessa empresa.
Falsa aparência
O advogado de Fabiano Duarte, Cléber Lopes, nega irregularidades e diz que não houve desvios. “Está tudo esclarecido. Ele foi depor e não há quaisquer desvios. A Secretaria de Saúde nem comprou respiradores. A polícia cumpre o seu papel de investigar, como prevê o Estado democrático de direito, mas não há nada. Ele está tranquilo, porque a apuração veio da falsa aparência de desvio a partir de uma informação equivocada.”
Lopes também destacou que Fabiano foi inocentado das denúncias na Operação Mister Hyde. “Ele foi absolvido e isso transitou em julgado. O Tribunal decidiu por unanimidade. Para o Estado de direito, ele é inocente de maneira inquestionável naquele caso e é presumidamente inocente em relação a essa investigação de agora, na qual não há crime”, argumentou.
Em nota oficial encaminhada pela assessoria de Comunicação, o Iges/DF informou que colabora com as investigações. “O Iges/DF reforça que a gestão é pautada pela transparência, não tolera irregularidades e todos os dados necessários serão repassados à equipe que conduz a operação. Ressalta, ainda, que não adquiriu insumos ou equipamentos com as empresas investigadas.”
A Secretaria de Saúde detalhou que colabora com as autoridades e não pode revelar maiores detalhes para não atrapalhar a apuração. Questionados sobre a permanência de Fabiano no cargo de direção do Iges/DF, a pasta e o instituto não se manifestaram.
Interesses particulares
O artigo 321 do Código Penal prevê, como conduta criminosa, o ato de um servidor público defender interesses particulares, junto ao órgão da administração pública onde exerce a função. A pena prevista é detenção de 1 a 3 meses e multa. A lei estabelece pena maior para o caso de o interesse defendido não ser legítimo. Nesse caso, a punição pode ser de 3 meses a 1 ano e multa.
Memória
Produtos vencidos
Deflagrada em setembro de 2016 pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do DF, a Operação Mister Hyde investigava a suspeita de que médicos envolvidos no esquema identificavam pacientes com históricos que viabilizavam a sugestão de cirurgias com órteses e próteses. A partir disso, eles alinhavavam contratos com empresas que vendiam esses insumos com a realização de cirurgias desnecessárias, superfaturamento e uso de produtos vencidos.
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