Correio Braziliense
postado em 08/06/2020 04:14
Quando nasci, a Constituição Brasileira completava um ano. Aprendi na escola que, tamanho o marco que representou no processo de redemocratização do país, ela também era chamada de Cidadã. Sempre tive muito apreço por essa palavra: cidadania. Também sempre soube, porém, que para muitos brasileiros ela era desconhecida. Não por uma questão de ignorância do léxico, mas porque tiveram negados direitos essenciais previstos na Carta Magna.
Do meu lugar de privilégios, poucas vezes presenciei as injustiças que se alastram há séculos entre essas minorias – aqueles grupos que, longe de representarem a menor parte de uma população, são marginalizados em razão de aspectos econômicos, sociais, religiosos, raciais, entre outros. Mesmo sob um Estado Democrático de Direito, as vidas dessas pessoas tendem a ser invisibilizadas e suas vozes, caladas.
Não mais. Vidas negras importam, bradam norte-americanos que marcham em massa pelas ruas da maior potência econômica do mundo. Oito minutos de crueldade foram o estopim para tirar o grito das gargantas sufocadas. Agora, elas repetem as súplicas de George Floyd enquanto era assassinado por um policial em Minneapolis: “Eu não consigo respirar”. Vidas negras importam, gritam jovens brasileiros, nas ruas ou nas redes sociais, com ou sem hashtag, porque o passeio com o cachorro valeu mais que a sobrevivência de Miguel, de 5 anos.
Tragédias são situações inevitáveis. Em nenhuma dessas – para citar apenas as mais recentes de que se tem notícia – a dor e o sofrimento eram inevitáveis. O que aconteceu foram crimes, todos fruto do racismo. E ele é estrutural. Isso significa que permeia a estrutura social, privilegiando grupos hegemônicos em detrimento das minorias.
Apesar de entender meus privilégios nesse contexto e enxergar parte das feridas sociais abertas pela desigualdade gritante que emerge das periferias, eu acreditava na potência do pacto social firmado por meio da nossa Constituição Cidadã. Simplesmente porque não consigo imaginar um caminho que dê certo sem que todos sigam com respeito, solidariedade e empatia.
Essas poucas décadas mostraram, no entanto, a fragilidade da democracia que construímos e o tanto que ela ainda precisa ser defendida. Fica cada dia mais difícil respirar sem se sentir sufocado. O nó na garganta se tornou permanente – e, nesse caso, nem é culpa do vírus que circula sem impedimentos pelo país. Mas assim como a minha cortina de ilusões caiu nesse momento, espero que outras venham ao chão e que dessas ruínas possamos, um dia, reconstruir algo melhor. Que as vozes não se calem nunca mais. “Paz sem voz não é paz, é medo.”
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