Cidades

Talento eclético

 

A imensa distância estética que separa o rock progressivo e o blues de raiz era reduzida a praticamente nada pelo talento do tecladista Remy Loeffler. Ele fez parte das formações fundamentais do Mel da Terra e do Oficina Blues, bandas de propostas tão diferentes, mas que marcaram a história musical de Brasília.
 
Nas duas bandas ele era o responsável pela base instrumental que tornava possível a evolução das canções. E era um craque. No palco, era compenetrado, sério, quase sempre com o semblante fechado, um perfeccionista que nunca se mostrava satisfeito com o resultado, mesmo com o sucesso que alcançavam.
 
O Mel da Terra fez muito sucesso em apresentações por toda a cidade, mesmo sofrendo com uma amplificação amadora, e conseguiu furar o bloqueio das emissoras de rádio para bandas locais, depois de gravar Estrela cadente. Era o início dos anos 1980, quando o mundo já tinha sido incendiado pelos punks, mas a banda seguia a estética progressiva de Yes, Genesis e Jethro Tull e o teclado de Remy criava climas e forjava as melodias.
O Oficina Blues era radicalmente o oposto; foi uma tentativa — bem-sucedida — de tropicalizar o blues, música de ritmo bem mais marcado e que deu a Remy a oportunidade de se revelar também como arranjador. A banda teve diversas formações e deixou uma legião de fãs.
 
O ecletismo e o amor pela música de Remy era hereditário, veio do gene paterno de José Portilho, um dos primeiros cantores do cast da Rádio Nacional de Brasília, que interpretava clássicos da bossa nova, sempre com uma mão no bolso e outra segurando o microfone. E a tradição familiar segue nas mãos do filho Felipe, também tecladista, também arranjador.
 
Nos últimos anos, Remy dedicou-se mais à produção de pequenos shows, empregando muitos músicos da cidade. A música dele fica no ar, nos discos — três com Oficina Blues e um com Mel da Terra — e no coração da cidade.