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Correio Braziliense
postado em 15/06/2020 04:05

Cadê o seu sorriso?

 

A vida real às vezes supera mesmo a ficção. Em nenhum dos filmes sobre fim do mundo a que assisti as pessoas usavam máscaras para se proteger de agentes infecciosos altamente contagiosos. Nos universos apocalípticos dos blockbusters, elas fogem de zumbis, se escondem de predadores e de monstros com superpoderes e, às vezes, até andam paramentadas com roupas que lembram as de astronautas. Mas nunca com esse nosso novo companheiro inseparável: o equipamento de proteção individual.

 

Apesar de alguns ainda desprezarem a importância da prevenção, as normas sanitárias adotadas para conter a disseminação do coronavírus são seguidas por muitos dos brasilienses que saem às ruas ou que precisam ir aos seus locais de trabalho. E isso transformou não apenas as paisagens, mas também os rostos. Você consegue perceber quando alguém sorri por detrás da máscara, por exemplo?

 

Outro dia, posei para selfie com uma colega de trabalho —  mantendo a devida distância — e percebi a ironia da situação. Por força do hábito, colocamos aquele largo sorriso no rosto. Os que viram a imagem, no entanto, devem ter tido dificuldade em perceber a alegria do reencontro, mesmo que em contexto tão adverso, e talvez até de nos reconhecer por detrás de todo o pano.

 

Acho que um traço na minha feição pode ter ajudado os espectadores. Aquele olhar mais apertadinho, quando as pálpebras são pressionadas pelas bochechas e quase cegam. Por trás das lentes (e da máscara) tem uma garota normal. Em meio ao equilíbrio delicado entre distanciamento social, sorriso pra foto, equipamento de proteção e óculos compartilhando as mesmas orelhas, estávamos nós duas, eu e minha amiga, posando para a foto.

 

E será que deveríamos esconder as pequenas doses de felicidade em um momento tão difícil? Acho que não. Espero que cada sorriso abafado reverbere e traga leveza aos dias mais tristes.

 

Talvez algumas máscaras caiam. Será que todos serão solidários em meio à pandemia? Outras, se quisermos, sairão fortalecidas. Respeitaremos mais os nossos profissionais de saúde? Daremos mais valor à vida e atenção aos doentes? Vamos tratar com mais carinho aqueles que precisaram ficar longe por tanto tempo?

 

E sigo com Leminski, sempre preciso nas ironias: “Podem ficar com a realidade / esse baixo-astral / em que tudo entra pelo cano./ Eu quero viver a verdade / eu fico com o cinema americano.” 

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