Cidades

Área tombada do DF sob risco com projeto que libera instalação de painéis

Deputados distritais aprovam projeto de lei que altera plano diretor e permite instalação de painéis em locais nobres e preservados da cidade. Entidades e especialistas criticam mudança, que precisa ser sancionada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB)

Correio Braziliense
postado em 18/06/2020 09:30
Vista áerea do Setor Bancário Norte: proposição permite a instalação de painéis luminosos, colocando em risco o tombamento da área central de BrasíliaDeputados distritais aprovaram, ontem, em sessão remota, o polêmico projeto de lei que altera o Plano Diretor de Publicidade para permitir a instalação de painéis de led em regiões tombadas do Distrito Federal, como os setores Bancário Sul (SBS) e Bancário Norte (SBN), e possibilitar a divulgação de conteúdo publicitário e jornalístico nesses equipamentos. A medida, que segue para sanção do governador, é criticada por entidades e especialistas da área por ferir o tombamento e desfigurar o projeto de Lucio Costa.

A arquiteta e urbanista Romina Faur Caparelli, do Movimento Urbanistas por Brasília, explica que as normas vigentes foram estabelecidas a partir de estudos e análises extensos e vê com receio a aprovação de mudança apressada. “O Plano Diretor de Publicidade existe com a ideia de coibir o excesso de informação visual, que polui a cidade. Então, foi feita essa limitação, determinando locais apropriados e tamanhos específicos. Isso foi definido depois de muitos estudos, tem razão de ser, não é uma norma aleatória. Então, não vejo com bons olhos que seja mudado com uma canetada sem haver estudos novos”, argumenta.

A urbanista ressalta que a alteração vai de encontro com o que prevê o tombamento e o projeto original. “Essa previsão está feita no próprio relatório de Lucio Costa. Esse tipo de equipamento não pode ser em qualquer lugar e de qualquer forma. É preciso um cuidado maior na hora de prevê-lo”, acrescenta.

Faltou bom senso e compreensão do projeto urbanístico de Brasília, segundo o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU-DF), Daniel Mangabeira. “Falta entender que a cidade não é um espaço a ser comercializado. Brasília não é isso. Qualquer tipo de violação que agrida visualmente a cidade, deve ser impedida, rechaçada por todos”, ressalta.

Ele destaca que há áreas, como o Setor de Diversões Norte, em que há autorização para esse tipo de painel. “Brasília foi pensada de uma maneira que esse conteúdo possa ser veiculado em setores específicos, nos quais a arquitetura foi pensada para isso”, justifica.  “A gente precisa entender que Brasília não é Las Vegas, não é uma rua comercial de Nova York. É outro tipo de cidade. E Brasília tem coisas que Wall Street e Las Vegas não têm. Isso precisa ser respeitado. Essa mudança precisa ser questionada. Ainda que seja autorizado ser colocado, precisamos de bom senso para rever esse tipo de atitude.”

A presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Distrito Federal (IAB-DF), Heloísa Moura, também critica a proposta. “Essa modificação fere gravemente o patrimônio, vai contra o próprio o objetivo da lei, que é regularizar as propagandas para não ferir o tombamento”, afirma. “Abre precedente para todo mundo e para perder a essência do que é Brasília. Se continuar assim, daqui  a alguns anos, não teremos mais o que fez com que Brasília fosse referência de planejamento urbanístico.”
A alteração pode ter impacto direto em um painel publicitário instalado no Setor Bancário Sul. O equipamento de propriedade da empresa Metrópoles Mídia e Comunicação, do senador cassado Luiz Estevão, está em área que hoje não poderia abrigar esse tipo de empeno. O assunto é alvo de disputa judicial (leia Memória). O advogado da empresa no caso, Marcelo Bessa, não quis se pronunciar sobre o assunto.

Por meio da assessoria de imprensa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que “não foi consultado e não teve acesso ao referido projeto de lei”.

Discussão

Deputados da oposição criticam a votação do projeto de lei sem ouvir especialistas e entidades, como o Iphan. “Um projeto dessa magnitude precisa de parecer do Iphan, de uma discussão mais profunda ouvindo entidades, estamos fazendo a análise de forma precária e isso traz prejuízo para o debate urbanístico”, argumentou Fábio Felix (PSol). “Não dá para discutir essa questão de mudanças das regras de publicidade dessa maneira. Esse projeto não deveria prosperar. A meu ver, ele teria que ter o parecer do Iphan porque estamos falando de mudanças que interferem na paisagem da região tombada”, acrescentou a distrital Arlete Sampaio (PT).

O distrital Reginaldo Veras (PDT) também se posicionou contra a alteração. “O debate aqui é o que nós, deputados, queremos para Brasília. Uma Times Square, uma Las Vegas iluminada ou o projeto urbanístico vencedor e reconhecido de Lucio Costa?”, questionou. “O conceito de tombamento prevê que mudanças podem ser feitas para adequar o espaço urbano às novas realidades, contanto que se preservem as características originais. Havia painel de led em 1960 ou quando foi feito o tombamento?”, complementou.

Depois da decisão do plano de saúde para ex-distritais, outra polêmica volta à Casa. Autor do projeto que fere o tombamento é o deputado distrital Rodrigo Delmasso, em parceria com o presidente da Casa, Rafael Prudente. Delmasso afirma que o projeto faz uma atualização necessária das regras. “O PL permite que os painéis eletrônicos possam passar notícias. Você tem vários painéis eletrônicos espalhados pelo DF, mas, pela legislação anterior, não poderia se expor notícias nos painéis, como acontece em diversas cidades. Na área tombada, não pode. A gente está fazendo adequação para que sejam painéis também de informação”, justificou. Ele alega que a intenção do PL, apesar de inexisitir proibição expressa no texto, não é permitir a proliferação de novos painéis.

Os distritais Arlete Sampaio (PT), Fábio Felix (PSol), Leandro Grass (Rede), Reginaldo Veras (PDT) e Júlia Lucy (Novo) votaram contra o PL.


Memória

Ainda na Justiça

O painel publicitário instalado no Setor Bancário Sul está em uma região na qual legislação urbanística da capital federal em vigor veda qualquer tipo de propaganda. Em 2018, a estrutura de 253 metros quadrados chegou a ser retirada pela extinta Agência de Fiscalização do Distrito Federal da fachada do edifício por determinação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), mas voltou a funcionar após decisão monocrática em 2019. O equipamento pertence à empresa Metrópoles Mídia e Comunicação, de propriedade do senador cassado Luiz Estevão, condenado no escândalo do TRT-SP. O tema do painel continua em análise no TJDFT.

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