Correio Braziliense
postado em 20/06/2020 07:00
O isolamento social aumentou o consumo de arte nos lares. Música, filmes e dança são algumas das opções encontradas para fugir do tédio e da solidão enfrentada durante a pandemia do novo coronavírus. Por isso, artistas da capital buscam fôlego para continuar a oferecer um produto de qualidade e acessível, além de garantir a renda para sobreviver durante a crise causada pela covid-19. Produtores, grupos e professores de teatro, artistas plásticos e músicos unem-se para manter a pluralidade produtiva da capital.
A Fundação Brasileira de Teatro, símbolo cultural de Brasília desde 1982, é um dos exemplos de resistência. Por meio da campanha Levante Dulcina e de cursos on-line, a instituição busca se reerguer durante o período. “A campanha é uma forma de sustentar o espaço, que é de todo o artista brasileiro. Temos um local privilegiado, de riquezas produtivas que vêm, gradualmente, recuperando-se”, aponta a presidente da fundação, Raissa Gregori.
A iniciativa busca doações para pagar os salários atrasados de 43 profissionais. “A pandemia também afetou a fundação, assim como a todos. Mas, adaptamo-nos rapidamente à situação, por meio das aulas on-line. É um período que traz novas possibilidades de linguagem, tanto para o artista quanto para o professor. Com isso, vemos a importância de manter o espaço, principalmente nesse momento, em que a cultura é tão importante para a saúde mental de todos”, explica Raissa.
Para manter o legado deixado por Dulcina de Moraes, a instituição recorreu à tecnologia durante a pandemia. De acordo com Liana Farias, secretária-executiva da fundação, diversos projetos estão sendo pensados para atrair o público e manter as atividades. “Estamos mobilizando artistas da cidade para oferecer seus produtos, como livros de escritores e participação de artistas em lives. Aos poucos, vamos conseguindo minimizar o impacto da crise, mostrar a importância desse complexo e convidar todo mundo a assumir a responsabilidade de preservá-lo.” A Mostra Dulcina, que acontece todo fim de semestre, também será virtual. “Vamos adaptar o evento, que acontece de 3 a 17 de julho, para as plataformas on-line”, detalha Liana.
A professora Lucélia Freire, da escola No Ato Produções, também conta com o apoio do público para manter o espaço durante a pandemia. “Abri o jogo com os alunos e, juntos, buscamos novas maneiras para enfrentar este período. É uma nova realidade de estudo e reestruturação de cursos”, frisa. O formato das aulas on-line, porém, não permite todo tipo de conteúdo. “Há ensinamentos no teatro que só são eficazes ‘olho no olho’. O contato físico é essencial em alguns casos”, observa.
A queda no número de alunos foi inevitável. “Muitos eram de outros estados e tiveram que voltar. Outros não conseguiram manter as atividades. Infelizmente, a cultura ainda não é considerada uma atividade essencial. Antes, já não tínhamos muito incentivo do governo e, agora, as existentes têm uma burocracia descomunal. Isso causa uma concorrência maior entre os artistas, que tem que brigar entre si”, observa Lucélia.
Redes sociais
A interação com o conteúdo nas redes sociais intensificou-se durante a pandemia. A percepção de maior consumo cultural foi notada pela cantora e compositora Anna Moura. Impossibilitada de tocar em espaço públicos, como estava acostumada, a artista passou a produzir mais conteúdos nas redes sociais. “Vi uma dificuldade muito grande no começo, mas, para a minha surpresa, neste momento de pandemia passei a ter um retorno maior do público”, conta. O financeiro foi outro fator que Anna teve que se readaptar. “Antes de termos o primeiro auxílio emergencial, eu não sabia como faria para me alimentar na próxima semana. Meu dinheiro era feito a partir dos trabalhos que ia conseguindo e, com a pandemia, isso não era mais possível”, relata.
Inscrições em editais culturais e doações virtuais foram algumas das opções para ajudar Anna financeiramente. “A nova alternativa que muitos artistas encontraram é o chapéu on-line, uma contribuição voluntária”, explica. Outra iniciativa foi participar do Festival Plural, projeto idealizado pelos produtores culturais Yuri Rocha e Claudinei Pirelli. “É uma oportunidade que agrega e soma na produção de conteúdos”, acrescenta Anna.
Com o apoio do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC), o projeto teve que ser remodelado para a versão on-line, com apresentações musicais, bate-papos, oficinas e palestras. “O projeto tem o intuito de integrar artisticamente as questões da diversidade sexual e de expressão de gênero. A primeira ação do projeto é o lançamento do Mapeamento LGBTQIA%2b do DF, que consiste no levantamento aberto da diversidade, para que essas pessoas possam ser encontradas em um guia cultural e se integrem a uma rede segura e feita para a diversidade”, explica Yuri.
A realidade virtual para o grupo de teatro Cutucart, porém, não foi viável. A atriz Bia Oligar conta que as apresentações e os ensaios presenciais durante a pandemia tiveram que ser cessados por questões de segurança. “Muitos coletivos estão tentando se manter ativos, mas é muito complicado. É difícil, para a nossa saúde mental, manter uma criatividade e estar sempre ativo” reflete.
Por isso, o grupo decidiu fazer reuniões virtuais e atribuir um trabalho mais técnico neste momento. “Enquanto coletivo demos uma pausa. Estamos organizando questões burocráticas para o futuro retorno. Mas sabemos que, para muitos artistas, essa pausa significa o fim. Vemos que há uma falta de investimento nos artistas menores. Arte é amor, mas, também, é trabalho, e os artistas precisam dessa renda para sobreviver”, frisa Bia.
Novo formato
Nos dias 25 e 26 de Julho, o Festival Plural ocorrerá on-line, com programação artística, a partir das 16h. Link da transmissão será disponibilizado no site www.festivalplural.com.br e no Instagram @festival.plural.
Quer ajudar?
A Fundação Brasileira de Teatro lançou a campanha Levante Dulcina, em busca de doações para pagar os salários atrasados de 43 profissionais
Banco: PagSeguro (290)
Agência: 0001
Conta corrente:
01 590 582-1
CNPJ: 33.701.392/0001-75
Telefone de contato:
(61) 98315-3882
E-mail: levante.dulcina@gmail.com
Três perguntas para Carlos Alberto Júnior, secretário-executivo da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF
Qual a importância da cultura na capital?
Brasília é a cultura em sua essência. É fruto de uma mistura bonita de culturas, é o Nordeste, o Sul, o Sudeste, o Norte e o Centro-Oeste, são as embaixadas: tudo isso reflete diretamente num perfil multicultural da capital federal. Esse traço faz de Brasília uma capital, além de nova em idade, rica na criatividade. Ser patrimônio cultural da humanidade, um museu a céu aberto, faz de seus transeuntes elementos de uma grande “tela” idealizada por Niemeyer.
Como a pandemia afeta esse cenário e quais são as oportunidades que ela traz?
Como se diz, a cultura foi um dos primeiros setores a serem atingidos pela pandemia. Brasília estava pronta para celebrar seus 60 anos. Casas de espetáculos com agendas lotadas, shows programados, tudo faria referência ao aniversário da cidade e, urgentemente, foi preciso suspender tudo, por conta de um inimigo invisível. Mas, de tudo tiramos uma lição. Dizem também que tempos de crise nos fazem necessitar de sermos criativos. Será necessário nos reinventar, seja por shows em formato de live (por enquanto), filmes em plataformas virtuais, etc.
Quais são as soluções pensadas pela pasta para solucionar esse impacto?
A primeira iniciativa foi de não deixar o setor parar. Lançamos o edital FAC on-line; em seguida, o Premiação, ambos totalizando R$ 4 milhões. Logo depois, lançamos o edital FAC Regionalizado, no valor de R$ 13 milhões. Executamos termos de fomento (iniciativa via emenda parlamentar) com projetos como O Serenatas de Abril, na qual artistas se apresentavam em baixo dos prédios e os moradores assistem pelas janelas. Com essas primeiras iniciativas, buscamos deixar ativo o setor produtivo, mas só isso não basta. Precisamos discutir com a sociedade, os setores produtivos, como será o “daqui pra frente”. A cultura não é gasto, tampouco assistencialismo. A cultura é uma das ferramentas econômicas mais importantes, e deve ser encarada como tal. E imagine o que seria de nós nesta quarentena, isolados, se não fosse a cultura? Sucumbiríamos num mar de loucura.
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