Cidades

Covid-19: mesmo sem velório presencial, luto deve ser vivido, diz psicóloga

Luciana Mazorra é psicóloga e cofundadora do Quatro Estações Instituto de Psicologia, que trabalha, desde 1998, com a formação e o rompimento de vínculos

Correio Braziliense
postado em 21/06/2020 07:02
Luciana Mazorra é psicóloga e cofundadora do Quatro Estações Instituto de Psicologia, que trabalha, desde 1998, com a formação e o rompimento de vínculosPonto a ponto // Luciana Mazorra


Rituais e as mudanças na despedida
A redução ou a eliminação dos rituais fúnebres tem consequências para o processo de elaboração de luto, bem como a impossibilidade de se despedir do ente querido. Os rituais representam um espaço protegido e autorizado para a expressão da dor, a possibilidade de receber apoio social, de homenagear o falecido e tentar atribuir sentido à morte. Além disso, é um ato organizado, previsível, em um momento em que o enlutado se sente desorganizado diante de uma notícia tão difícil, de uma realidade tão dura de aceitar. O psiquismo vai tentar lutar contra essa realidade e precisamos de um tempo para elaborá-la. As despedidas contribuem para a aceitação da realidade, que vai ocorrendo de forma gradual. Muitas instituições têm promovido o contato virtual, que, embora não seja igualmente reconfortante, facilita a despedida. Outro complicador do luto nesse momento, em razão da quarentena e do distanciamento físico, é que os enlutados acabam recebendo menos suporte social, os contatos são menos frequentes.

O luto hoje
Viver um luto neste momento vai ter impacto duplo. Além da perda do ente querido, já estamos vivendo um momento de luto coletivo, por conta de todas as perdas que estamos enfrentando diante de um mundo totalmente mudado, as perdas que são provocadas pelo distanciamento físico e o impacto que sofremos diante das milhares de mortes, sendo, portanto, uma sobrecarga.

Falar sobre morte
A sociedade contemporânea valoriza a produção, o consumo e nega a finitude e a morte. Quando enlutados, fazemos um movimento mais interno de olhar para a nossa dor, ficamos mais introspectivos, processando o que estamos vivendo, o que se opõe ao ritmo da sociedade contemporânea. Existe uma dificuldade da sociedade de tolerar a dor do outro, porque a perda do outro nos traz a notícia de algo que nos toca muito diretamente, nos toca naquilo que mais tememos. Se a morte puder ser tratada como algo mais natural, que faz parte da vida, lidar com ela será menos difícil. Ao falar sobre os sentimentos, o enlutado vai elaborando essa perda. O processo de luto requer ter que reconstruir o mundo que perdemos sem aquela pessoa. Também implica uma revisão da nossa própria identidade, porque ninguém é a mesma pessoa após uma perda significativa. De fato, todos vivemos perdas ao longo da vida. Essa é uma vivência comum a todos nós.

Adaptando a despedida
Claro que o luto é um processo muito individual, cada um vai viver à sua maneira, de acordo com a sua história de vida. É importante realizar rituais, mesmo que de forma virtual, na impossibilidade do presencial. Algumas pessoas têm optado por esperar ou fazer de outra forma quando possível. Fazer um ritual próprio, que faz sentido para a família, ou escrever sobre a pessoa. Quando sobrevivemos a uma situação tão difícil quanto perder um ente querido, de alguma forma, aprendemos a confiar em nossos recursos de enfrentamento.

Luciana Mazorra é psicóloga e cofundadora do Quatro Estações Instituto de Psicologia, que trabalha, desde 1998, com a formação e o rompimento de vínculos


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