Correio Braziliense
postado em 25/06/2020 04:07
Em tempos de pandemia, quem pode ficar em casa está lendo muito. Por isso, esta coluna conseguiu uma entrevista mediúnica exclusiva com a magnífica escritora inglesa Virginia Woolf. O tema é a paixão da leitura. Ouçamos a sua voz elegante e certeira.Qual é a nossa obrigação como leitores?
Ler é uma arte muito complexa. E nossas obrigações como leitores são muitas e variadas. Mas, talvez, se possa dizer que a nossa primeira obrigação para com um livro é que devemos lê-lo pela primeira vez como se o estivéssemos escrevendo.
Não é uma atitude
demasiadamente complacente?
Nossa primeira obrigação como leitores é tentar entender o que o escritor está fazendo, desde a primeira palavra com que compõe a primeira fase até a última com que termina o livro. Não devemos lhe impor nosso plano, não devemos tentar fazer com que sua vontade se conforme à nossa.
Ler pode ser, em alguns casos,
pensar contra si mesmo?
Os grandes escritores exigem que façamos frequentes e heroicos esforços para lê-los corretamente. Eles nos vergam, eles nos quebram. Ir de Defoe a Jane Austen, de Hardy a Peacock, de Richardson a Rudyard Kipling é ser torcido e retorcido, é ser jogado violentamente para um lado e para outro.
Mas onde fica a postura crítica do leitor?
Ler, como sugerimos, é um ato complexo. Não consiste simplesmente em estar em sintonia e compreender. Consiste, também, em criticar e em julgar. O leitor deve baixar o banco dos reús e se acomodar na poltrona de juiz. Deve deixar de ser amigo: deve se tornar juiz.
Qual o mérito do leitor?
Para que ler tantos livros?
Nós estamos fazendo a nossa parte como leitores no processo de colocar obras-primas no mundo. Essa é uma das razões para se ler livros — estamos ajudando a trazer bons livros ao mundo e a tornar os ruins impossíveis.
Mas essa seria a razão principal
da leitura? O que motiva a ler
é apenas um apelo intelectual?
De fato, essa não é a real razão. A real razão continua inescrutável: a leitura nos dá prazer. É um prazer complexo e difícil; varia de época para época e de livro para livro. Mas ele é suficiente. Na verdade, o prazer é tão grande que não se pode ter dúvidas de que sem ele o mundo seria um lugar diferente e muito inferior ao que é. Ler mudou, muda e continuará mudando o mundo.
De que maneira?
Quando o dia do juízo final chegar e todos os segredos forem revelados, não devemos ficar surpresos ao saber que a razão pela qual evoluímos do macaco ao homem e deixamos nossas cavernas e depusemos nossos arcos e flechas e sentamos ao redor do fogo e ajudamos os doentes, a razão pela qual construímos, partindo da aridez do deserto e dos emaranhados da floresta, abrigos e sociedades, é simplesmente esta: nós desenvolvemos a paixão da leitura.
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