Cidades

Crônica da Cidade

Correio Braziliense
postado em 27/06/2020 04:06

Para Ju, Alexandre, Bernardo, Mel e Hugo

Sempre fui homem. Mas nunca fui “macho”. Desde criança, chorava com facilidade, mesmo ouvindo, às vezes, que menino não chora. Até tentava controlar, mas qualquer ameaça ou dor faziam as lágrimas — e, em muitos casos, o berreiro mesmo — brotarem. Por crescer numa família comandada por mulheres, imitei os trejeitos e até mesmo o jeito de falar delas. Depois, a adolescência veio e minha voz mudou, mas não ficou grossa, como voz de “macho”.

E homem que não é “macho”, no Brasil, é gay. Claro que não é, necessariamente, mas é assim que todos “não machos” são vistos. Foram muitas as vezes, portanto, que me tomaram por gay. E, na adolescência e no começo da juventude, isso incomodava muito. Eu encarava essa impressão das pessoas como uma acusação. Não achavam que eu era gay, me acusavam de ser gay, eu pensava, o que só mostrava meu próprio preconceito.

Demorou, mas chegou um tempo em que ouvir de alguém “achei que você fosse gay” deixou de soar para mim como crítica ou acusação. Se a frase é dita amigavelmente, apenas digo: “Sou não”. Se estou de muito bom humor, completo: “Até agora, pelo menos”. Mas, às vezes, frases assim são ditas em tom acusatório. É assustadora a pouca tolerância da nossa sociedade com lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexos.

Para alguns, chamar alguém de gay, ou de sinônimos pejorativos, é o mesmo que xingar. Para esses, quando se dirigem a mim dessa forma, não digo nada. Ignoro. Como ensinou um sábio filósofo a um discípulo que perguntou por que o mestre não respondia aos insultos que lhe eram dirigidos: “Por que discutiria com um asno que deseja me dar um coice?”.

Para os LGBTQIA+, porém, os coices não são uma metáfora, mas uma ameaça real. Ainda hoje, pessoas são assassinadas apenas por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Por meio da violência, física ou simbólica, tentam mudá-las. E, como isso não é possível, aumentam a violência para reprimi-las, proibi-las, excluí-las, eliminá-las. Reagir e lutar é uma questão de sobrevivência. Unir-se e fortalecer-se é o único caminho de não ser acuado e morto. E ninguém é forte sem saber que tem o direito de existir, sem se amar, sem se orgulhar de ser quem é.

É daí que vem o uso da palavra orgulho pelas pessoas LGBTQIA , que celebram, amanhã, em todo o mundo, seu Dia do Orgulho. Muitos tentam rejeitá-las, mas elas decidem dizer ‘sim’ a elas mesmas. Têm orgulho de ser quem são. E estão cobertas de razão. Nesta semana, tive o privilégio de conhecer algumas dessas pessoas incríveis, que vieram ao Correio gravar depoimentos e nos contar por que sentem orgulho.

Para mim, receber essas pessoas aqui na redação e ouvi-las foi um aprendizado. Uma lição sobre como a humanidade é diversa, rica, múltipla. Uma lição que me fez lembrar de minha própria jornada de autoaceitação. O ser humano não é monolítico. Somos de várias formas e, por isso, somos extraordinários. Convido a cara leitora, o caro leitor, a conhecer essas pessoas que tive o prazer de conhecer. Elas estão logo ali, na página 19. À Ju, ao Alexandre, ao Bernardo, à Lua e ao Hugo, meu carinho e minha admiração.

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