Cidades

O primeiro vinho candango

Produtores da região do PAD-DF produziram a bebida com a uva sirah de grande qualidade. Consórcio de viticultores pretende construir uma moderna cantina na região para apresentar as novidades brasilienses

Correio Braziliense
postado em 02/07/2020 04:07
Ronaldo Triacca e a mulher, Ana Cenci: produção pioneira no Distrito Federal

Está pronto o primeiro vinho brasiliense. É um sirah e chama-se Seu Claudino, homenagem que o produtor Ronaldo Triacca presta ao pai, um dos agricultores pioneiros que vieram do Sul para cultivar terras do cerrado no Projeto de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PAD-DF). Será lançado, em grande estilo, em agosto, na Villa Triacca Eco Pousada e Vinho, às margens da BR-251 (Brasília-Unaí), anuncia o proprietário e vitivinicultor, que também é presidente da AgroBrasília, uma das principais feiras de exposição do país — este ano, devido à pandemia, será virtual, de 6 a 10 deste mês.

Nas proximidades do parque de exposição, será construída uma moderna cantina com ajuda de um consórcio de nove viticultores da região, que se uniram para produzir, cada qual com rótulos independentes. Eles também planejam ter um blend com cortes de todas as castas produzidas que identificará o conjunto. “Não poderia ter outro nome que Vinícola Brasília”, destaca Ronaldo Triacca, principal personagem de uma história de pioneirismo, trabalho e dedicação.

“Primeiro filho”


No início da noite de 19 de setembro do ano passado, Ronaldo Triacca e a mulher, Ana Cenci, chegaram à Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) em Caldas, sul de Minas, depois de percorrerem quase mil quilômetros, transportando no banco traseiro da caminhonete 90kg de uvas viníferas, colhidas cedo, na Villa Triacca. As frutas ainda estavam frescas, devido à baixa temperatura do ar-condicionado do veículo. Ao avistar a enóloga Isabela Peregrino, que veio ao encontro do casal, Ronaldo emocionado pediu: “Cuide bem do nosso primeiro filho”.

Depois de pernoitarem na câmara fria, as uvas passaram pelo processo de desengace, esmagamento e prensagem até ir parar em tanque de aço inoxidável, onde se dá a fermentação alcoólica e maceração. Cada etapa foi acompanhada atentamente pela enóloga, mineira de Lavras, inspirada primeiro nas lições que recebeu numa vinícola da Califórnia (EUA), durante estágio voltado para análises de controle de qualidade. A passagem de cinco meses no Central Coast foi decisiva para Isabela investir na profissão. “Voltei apaixonada por enologia e fui em busca da formação na escola de Bento Gonçalves (RS), com estágio na Vinícola Valontano”, informa.

Desde logo, a enóloga surpreendeu-se com o tom violáceo do sirah, não comum numa planta jovem, que costuma apresentar cor suave. “O vinho tem grande potencial e vai bater de frente com o que está sendo feito por aí”, vaticina Isabela. Seu Claudino rendeu 66 garrafas fabricadas no Chile, em vidro grosso pesado, na cor marrom esverdeada, que os franceses denominam vert antique.

Cento e trinta e um dias depois de entregar as uvas, Ronaldo e Ana voltaram à Epamig, em 28 de janeiro, para buscar “o filho”, que viajou acomodado no mesmo banco de trás da caminhonete e foi guardado na adega da pousada “antes da pandemia”, enfatiza Triacca.



Ministra gostou


Elegante rótulo verde-escuro, com riscos dourados, que traz a caricatura do gaúcho Seu Claudino, neto de italianos, ainda jovem, de chapéu de palha, identifica o primeiro sirah, safra 2019, cujo reverso faz referência ao sonho de Dom Bosco, profetizando leite e mel nessa região. “A interessante altitude de mil metros, somada a invernos amenos, sem chuvas e com boa amplitude térmica transformaram Brasília, no Planalto Central, em um terroir de vinhos únicos e especiais”, lê, em voz alta, o orgulhoso produtor.  Ele compartilhou a degustação do tinto com familiares, amigos, entre eles o embaixador dos Estados Unidos, e até a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

“Fiquei impressionada com a qualidade do vinho produzido pelo Ronaldo Triacca e pelo profissionalismo dos produtores da região”, declarou a ministra, que acompanha de perto o trabalho dos associados da Coopa-DF, a cooperativa agropecuária que representa a força do campo e do agronegócio na AgroBrasília. E arriscou um prognóstico: “Os vinhos vão dar o que falar”.

A ministra Tereza Cristina está sabendo que a produção dessa bebida milenar não se limita à experiência de Ronaldo e Ana (ela vai se dedicar à produção de suco de uva). Além da Triacca, mais oito empreendimentos vitivinícolas estão em curso na região: Casa Vitor; Ercoara Cordeiro e Vinhedos; Hartos Vinhos Finos; Marchese Vinhos e Vinhedos; Miro Vinhos e Vinhedos Ltda.; Toscana do Cerrado; Vinhos e Vinhedos Della Sena e Vinhedos Vista da Mata. Eles formam o Grupo Viniplan, que vai tocar a vinícola, enquanto sonham em lançar como atração turística a primeira rota do vinho do Planalto, passando por suas propriedades.



Paraíso climático


O que contribui muito para a qualidade do vinho brasiliense é a amplitude térmica entre o dia e a noite, favorecendo o acúmulo de polifenóis, a intensidade da cor e a produção de tanino, essencial para a boa estrutura dos tintos. “Além da intensa luminosidade, a temperatura aqui pode variar entre 6ºC, de madrugada, a 28ºC ou 30ºC ao meio-dia, na hora mais quente do dia”, comenta o agrônomo Gabriel Triacca (filho de Ronaldo), que presta consultoria para diversas propriedades agrícolas da região.

Outro fator importante é a adaptação do ciclo da videira ao regime de chuvas de outubro a abril. Foi o engenheiro agrônomo Murillo Albuquerque Regina, Ph.D em viticultura e enologia pela Universidade Bordeaux, na França, quem desenvolveu, no começo do século, na Epamig, a dupla poda, pela qual à poda normal em setembro, segue-se outra em janeiro. “Com o ciclo da videira invertido, conseguimos as condições ideias de clima para a produção de uvas maduras e sadias com dias ensolarados e secos, seguidos de noites frias”, explicou Murillo em artigo publicado na Revista Adega.

O desempenho da viticultura do Centro-Oeste impressionou o enólogo gaúcho Marcos Vian, que fez curso de especialização na Espanha e na França, e é contratado por diversas vinícolas fora do Rio Grande do Sul para elaborar vinhos. É ele quem vai fazer o próximo sirah brasiliense da safra 2020, que será colhida em agosto. Para tanto, o enólogo virá ainda este mês fazer o detalhamento técnico do projeto da Vinícola Brasília, desenvolvido por duas empresas de arquitetura da cidade: Lazzeri e AZ. Fica na BR-251 ao lado da plantação de girassóis, que tanto tem atraído visitantes na época da floração.

Marcos Vian provou o Seu Claudino, da Villa Triacca, e destacou que  “com recursos limitados o vinho já atingiu aromas maduros e frescor, imagina quando houver uma estrutura de vinificação maior e recursos tecnológicos locais, vamos ter excelentes notícias, porque há uma grande expectativa não só em torno do sirah, mas também de malbec, cabernet sauvignon, tempranillo e até primitivo, uvas mais quentes que estão sendo plantadas no Planalto Central”.

  • Para saber mais

    De aroma frutado, o vinho Seu Claudino, embora jovem, tem boa estrutura. Com teor alcoólico de 14%, foi elaborado com uvas de um único vinhedo da variedade sirah. Há muitas versões sobre o surgimento da uva, entre as quais, a mais plausível é que os cruzados, depois de batalhas no Oriente Médio, tenham trazido mudas de vinhas da cidade de Shiraz, na Pérsia, importante centro comercial da antiguidade. A uva se deu muito bem na França e na Austrália e, mais recentemente, é usada na Argentina, Estados Unidos, Chile, Portugal e Brasil.

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