Correio Braziliense
postado em 02/07/2020 22:16
A juíza da Vara de Execuções Penais (VEP), Leila Cury, rebateu as críticas realizadas pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CDH/CLDF), o deputado distrital Fábio Félix (PSol). O parlamentar visitou, na terça-feira (1º/7), o Complexo Penitenciário da Papuda, após receber mais de 300 denúncias de familiares de internos. Nos relatos realizados pelos parentes foi exposto que os detentos estão em situação precária dentro dos presídios, sem acesso a produtos de higiene básica, roupas e cobertores para se aquecerem neste período de inverno, com a progressão de regime atrasada e, além disso, sem qualquer contato com os familiares. As situações narradas estariam ocorrendo no Centro de Detenção Provisória (CDP), no Centro de Internamento e Reeducação (CIR), e nas Penitenciárias do Distrito Federal (PDF) 1 e 2.
Por causa das denúncias, o deputado montou uma comitiva para apurar a situação. O grupo é integrado por representantes da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF) e do Conselho de Saúde do DF. Apesar de terem realizado um pedido para ingressar no PDF 1, apenas Fábio Félix pôde entrar e averiguar a situação dos internos e das áreas de convivência.
Em nota oficial, a juíza Leila Cury pontuou que a entrada não foi permitida porque os demais integrantes da comitiva não “tinham autorização deste juízo (VEP) para ingresso nas unidades prisionais". "Como membros do poder Legislativo local, deputados distritais possuem prerrogativas inerentes ao exercício do mandado eletivo. No entanto, não há qualquer possibilidade de extensão dessa prerrogativa a seus convidados, sendo conveniente ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que as prerrogativas e imunidades parlamentares sequer se aplicam ao suplente de parlamentar ou ao parlamentar licenciado do cargo, quanto menos a assessores que não ocupam cargos eletivos, motivo pelo qual não houve qualquer irregularidade por parte da direção da PDF I ao não permitir o ingresso de acompanhantes.”
Outro problema explicado pelo deputado distrital foi o impedimento de realizar fotos no interior do presídio. Em entrevista ao Correio na terça-feira (1º), Fábio Félix afirmou que policiais penais chegaram a tentar recolher o celular dele. Quanto ao fato narrado, a magistrada explicou que o registro fotográfico não é permitido sem que ocorra a liberação judicial.
“Não é inerente ao exercício de seu mandato ou prerrogativa parlamentar a livre realização de registros fotográficos no interior das unidades prisionais, locais que se submetem a rigorosos controles de acesso e circulação de pessoas e objetos, para preservação da segurança pública e para preservação de direitos individuais”, esclarece. Ainda, a juíza determina que fotos e vídeos sem autorização da VEP pode ocorrer, desde que “o ato seja essencial à apuração de denúncia concreta de maus-tratos ou tratamento desumano relativo a algum preso, bastando, em tais circunstâncias, que houvesse consentimento expresso do preso em questão". "Não foi o que ocorreu na data de hoje”, acrescentou a magistrada.
O deputado Fábio Félix criticou a deliberação da titular da VEP e salientou que foi prejudicado por ter sido impedido de fotografar a situação dos detentos, assim como das instalações da Papuda. “O Artigo 28 de portaria da própria Vara de Execuções Penais autoriza esse registro com a finalidade de apurar denúncias. Só nos últimos dois meses, recebemos mais de 300 denúncias de falhas no sistemas prisional em tempos de pandemia. No processo democrático, as políticas públicas e os gestores precisam ser fiscalizadas”, sinalizou.
“Cabe registrar que fui recebido com respeito pela diretoria da unidade prisional e pelo secretário de Administração Penitenciária do DF (Adval Cardoso). Mas o papel fiscalizatório que tenho obrigação de desempenhar enquanto parlamentar e presidente da Comissão de Direitos Humanos foi prejudicado a partir do momento em que fui desautorizado a registrar as condições encontradas”, acrescentou o parlamentar.
Ainda em entrevista após a fiscalização, na manhã de terça, o presidente da Comissão de Direitos Humanos destacou que encontrou “uma situação muito precária, sobretudo quanto às medidas de enfrentamento e combate à superlotação para impedir a disseminação da covid-19". "Em celas que são para duas pessoas, havia 13 internos. Nas que cabem oito, chegava a ter 30 detentos. São 1.584 vagas disponíveis, contudo, são 4.067 internos convivendo no local.”
“A disponibilização dos produtos de higiene pessoal também é precária. A cada 15 dias, cada preso recebe uma pasta de dente, um pedaço de sabão ou um sabonete, em tese. Mas, nos banheiros das celas, era possível ver que havia um ou dois pequenos pedaços de sabonete, quase no fim, para que todos os internos possam utilizar. Também percebi que o pátio de convivência, onde os detentos tomam banho de sol, e outros pontos, como os corredores, estavam mais sujos. As alas onde há menor movimentação de servidores não estava com a devida higienização”, relatou ao Correio.
Limpeza e higiene pessoal dos internos
Sobre os pontos da falta de higienização do presídio e quanto à falta de produtos de higiene pessoal disponível para os detentos, a juíza Leila Cury afirmou que não foi constatada nenhuma irregularidade nas visitas realizadas por representantes da VEP, do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Defensoria Pública do DF (DP) e do Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (CDPDDH).
“Até a presente data, nas inspeções realizadas, constatou-se a regularidade de estoques de materiais de higiene, limpeza e itens de enxoval destinados às pessoas presas, conforme relatórios. A PDF I, a menos de mês, recebeu missão do Exército Brasileiro que realizou a limpeza e desinfecção de todas as áreas de convivência coletiva, sendo que a limpeza do interior de cada cela é responsabilidade dos internos ali alocados, com fornecimento de material de limpeza pela administração prisional”, frisa Leila Cury.
Para Fábio Félix, o “posicionamento da VEP é uma resposta desproporcional”, e afirmou que vai defender as prerrogativas constitucionais e políticas. “A proibição de registro precariza o controle social de qualquer estabelecimento público e expõe a sociedade à desinformação. Não podemos nos furtar de falar a verdade ao sair de uma diligência, sobretudo quando violações de direitos e descumprimento dos protocolos sanitários são constatados”, disse.
“O meu pedido foi para registrar as condições de higiene do complexo e não expor qualquer estrutura estratégica que gerasse fragilidade na segurança. Esse pedido me foi negado, conforme assinado pelo próprio Diretor do presídio. Houve cerceamento da prerrogativa parlamentar de fiscalização e enquanto presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa não posso aceitar tal arbitrariedade”, finalizou o parlamentar.
Casos de covid-19 e atendimento de internos
O vice-presidente do Coren-DF, Tiago Pessoa, afirmou ao Correio na terça-feira (1º), que familiares dos detentos do sistema carcerário denunciaram a ausência de atendimento médico aos internos que apresentam sintomas ou que testam positivo para o novo coronavírus. “Como as visitas estão suspensas, só os presos com advogado conseguem se comunicar. Aqueles que não têm, os familiares não sabem o que está acontecendo”, sinalizou.
Quanto à situação de contaminação no cárcere, a juíza Leila Cury indicou que, até as 16h de terça, foram detectados 1.299 casos positivos de covid-19, sendo 262 policiais penais, dos quais 245 estão recuperados, e 1.037 presos, sendo que 863 se recuperaram da doença. “Afigura-se necessário destacar que, lamentavelmente, o sistema prisional do DF conta com 4 óbitos, sendo 3 presos e 1 policial penal”, acrescentou.
A magistrada também rebateu o relato sobre a falta de atendimento na Papuda. “O público penitenciário do Distrito Federal vem sendo regularmente atendido por oito competentes equipes de saúde prisional, além de haver a monitoração diária de equipe epidemiológica do EpiSUS, vinculada ao Ministério da Saúde, que realiza estudos sobre a covid-19 no Complexo Penitenciário e todos os relatos de irregularidades reportados vêm sendo reportados por este Juízo à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar (CDDHCEDP)”, frisou.
Ainda, a juíza Leila Cury explicou que “o sistema penitenciário tem uma taxa de letalidade de 0,32% na população privada de liberdade e 0,38% em policiais penais. A eloquência dos números, na verdade, afasta o discurso retórico no sentido de que poderia ocorrer ‘segunda onda’ (de contaminação).”
Para embasar a fala, a magistrada destacou as análises realizadas pelo Diretor da Regional Leste da Saúde, responsável pelo Complexo da Papuda, Wallace Dos Santos: “não há recomendações de autoridades sanitárias, que se refiram a uma segunda onda da morbidade pelo SARS-Cov-2 no Brasil, tampouco na população privada de liberdade".
Sobre a superlotação constatada pelo deputado Fábio Félix, a juíza Leila Cury esclareceu que a situação é “resultado, dentre outros fatores, de investimentos em criação de novas vagas aquém da demanda de segurança pública e foi severamente minimizada em razão de este juízo ter autorizado a progressão antecipada de sentenciados do regime semiaberto ao regime aberto durante o período da pandemia de covid-19, que já resultou na colocação em prisão domiciliar ou regime aberto 2.160 detentos, desde 11 de março, quando a OMS declarou a pandemia”.
A magistrada não comentou sobre as denúncias dos familiares que apontaram a falta de comunicação com os detentos e, consequentemente, a falta de informações sobre o estado de cada um deles; assim como não prestou esclarecimentos sobre os supostos presos que já teriam direito a progressão de regime, mas que continuam no cárcere.
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