Cidades

Enfermeiros: Conheça heróis por trás da máscara no combate à covid-19

Conheça histórias de enfermeiros que lutam contra o avanço da pandemia nos hospitais da cidade. O desabafo é da profissional de saúde Lúcia Henrique: "É um vírus que nos rouba tudo, até os afetos"

Correio Braziliense
postado em 03/07/2020 10:20
Apesar da distância, a família e amigos da enfermeira Wendy a fizeram restabelecer suas forças“Todos nós, colegas de profissão, deixamos diariamente o amor da nossa vida para cuidar do amor da vida de alguém. Quando um de nós morre, ele deixa uma marca para a história da enfermagem, pois foi um guerreiro na luta contra essa doença”. A homenagem feita por Lucas Borges, 25 anos, enfermeiro do hospital de campanha e da UTI montada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante aos colegas de trabalho que perderam a vida durante a pandemia.

Segundo os últimos dados da Secretaria de Economia, responsável pelo quadro de pessoal, o número de contágio entre os profissionais da saúde é crescente. Em março, foram registradas 24 licenças em relação à doença. No mês de abril, elas passaram para 235 e, em maio, o número mais que dobrou, atingindo 560 licenças relacionadas à covid-19.

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Para Lucas, o temor de contaminar alguém que ama é maior do que o temor pela própria vida. “Somos seres humanos, claro, temos medo de morrer, mas posso dizer por todos colegas que tememos mais pela vida de quem amamos”. O enfermeiro que atua em duas UTIs públicas assiste dezenas de pacientes acometidos pela doença, o risco da contaminação é alto e diário.

As centenas de vidas perdidas diariamente surpreendem até o mais calejado profissional. “Aprendemos a lidar com a morte desde o primeiro dia de faculdade, mas essa doença nos choca por levar vidas jovens, pessoas que teriam 40, 50 anos de vida pela frente. Poderia ser um de nós, um de nossos amigos”, lamenta Lucas. O aprendizado é “valorizar cada momento, abraços e contato com quem amamos, tudo pode mudar muito rápido”.

A árdua batalha coloca à prova mente, coração e corpo, por horas a fio. Dedicando-se ao cuidado dos doentes, a enfermeira Yasmin Melo, 25, tem jornada dupla e exaustiva. “De manhã, trabalho no atendimento de um hospital de referência e, à noite, subo a bordo da ambulância e transporto dezenas de contaminados, fazendo a remoção para um ou outro hospital”.

Desafios


O amor à profissão é o que leva Yasmin a encarar os riscos e voltar para casa cansada com cerca de 90 horas trabalhadas semanalmente, mas feliz. “Não fazemos pelo reconhecimento, nem dinheiro. A sensação de ver nos olhos do paciente que ele confia em mim e no meu cuidado é o que vale todos os esforços, todo sacrifício de dividir a casa com a minha família sem ter contato com ninguém”, conta.

Os desafios são muitos, um inimigo quase desconhecido, o grande número de contaminados e a gravidade da doença foram empurrados para as mãos de Bárbara Jorba, 23, em sua primeira experiência profissional. “Tenho apenas sete meses de formação e essa realidade tem sido um desafio diário, pessoal e profissional”.

Bárbara atua na Unidade Básica de Saúde — UBS 5 de Taguatinga e é residente de Atenção Básica pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A jovem profissional encara as adversidades com otimismo. “Penso que posso fazer a diferença na vida do paciente, também me inspiro nos demais profissionais que dedicam a vida ao trabalho. Mesmo que custe o convívio com minha família, pois fico a maior parte do tempo isolada no meu quarto”, conta a jovem enfermeira.

O medo que inunda os pensamentos são um martírio enfrentado a cada novo dia de trabalho. Jéssica Gomes trabalha na UTI Pediátrica do Hospital de Brasília e diz que até o profissional mais capacitado cai em ciladas da mente. “Às vezes, ficamos com tanto medo que até anulamos o nosso conhecimento sobre os meios de contágio. Pode até acontecer a paranoia de ficar pensando que pode ter se contaminado a cada minuto”, conta.

O medo de ficar doente e de contaminar os familiares fez com que Jéssica optasse por se hospedar em um hotel custeado pelo hospital em que trabalha. “Quem atua com pacientes contaminados teve a opção de ir. Eu fiquei um mês em isolamento neste hotel e só saí de lá quando deixei de atender os pacientes com covid, nos trouxe mais segurança”.

Angústia


“Um pesadelo, uma sensação de impotência, de ter falhado. Eu me perguntei onde eu errei, onde me contaminei, em qual processo eu falhei. Foram 14 dias longe do meu trabalho, pessoas doentes desamparadas e eu de braços cruzados”. Foi colocando a vida dos outros à frente da sua que Wendy Carvalho, 29, mesmo doente culpou-se por estar longe de seus pacientes da UTI do Hospital Regional de Samambaia.

Apesar da distância, a família e amigos de Wendy a fizeram restabelecer suas forças. “Fiquei isolada, mas perto de todos pelas ligações e vídeos. Sem eles, seria impossível sair bem dessa. Tenho aprendido que a família é o nosso bem mais precioso, aprendi que nós, da saúde, não somos heróis, somos humanos e temos fragilidade e precisamos ser cuidados, além de cuidar”, diz a enfermeira.

Um diagnóstico positivo também mexeu com Lúcia Henrique, 49, enfermeira da Emergência Pediátrica do Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB). “Recentemente, fui acometida pelo vírus e isto me impediu de trabalhar por alguns dias, e hoje, mais do que tudo, quero continuar nesse campo de batalha, pois tenho fé que, em breve, teremos vacinas disponíveis para combater este vírus que tanto nos assusta”, acredita.

A ansiedade por uma resposta é o que tem tirado a paz da enfermeira Talita Freitas, 22, afastada do seu posto na UBS 3 de Samambaia após sentir sintomas da doença. “A gente volta todos os dias para casa sem saber se trouxe o vírus junto. Senti alguns sintomas e fui afastada até que saiam os resultados. É complicado não ter certeza sobre nada”, conta.

A solidão é a pior parte na luta de quem se contamina, Talita diz encontrar afago na companhia do esposo, mas sente falta da família. “Se eu tivesse doente com qualquer outra coisa, teria os cuidados da minha mãe e o apoio da família. Eu chego a me emocionar pelo isolamento e solidão a qual esse vírus nos coloca”, lamenta a profissional.

* Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira


  • Depoimentos
    As dolorosas experiências vivenciadas pela equipe de saúde, no intento de salvar o paciente, marca a história e o coração destes bravos profissionais. Eles relembraram episódios que mexeram com suas crenças e emoções.

    Wendy Carvalho
    “Um paciente que atendemos como cardíaco ficou grave, passou por reabordagens e hemodiálise. Após muita luta e cuidado, recebeu alta, estava bem, finalmente. A família ficou muito feliz e nós, também. Dias depois a alta, recebemos a notícia que ele tinha ido a óbito por covid, foi muito frustrante.”

    Lucas Borges
    “Recentemente, tivemos um paciente de 28 anos, internado 49 dias, dos quais 29, intubado. Ele passou por todo tipo de procedimento, até traqueostomia, sintomas muito agravados. Ele, agora, está em casa, bem e recuperado. Marcou toda a equipe da UPA e a mim, deixou marcas de felicidade. Ali é onde vemos o reflexo do nosso esforço, é o que nos dá gás para continuar adiante salvando vidas.”

    Talita Freitas
    “Pacientes nos marcam sempre, mas lembro de uma paciente grávida que a mãe e padrasto estavam sendo transferidos em estado grave. Ela fez o teste e deu positivo, começou a chorar e eu, junto. Lembro-me da expressão do rosto e olhar daquela grávida preocupada com seu bebê. Eu sequer pude dar um abraço, o apoio emocional que ela tanto precisava naquele momento.”



    Yasmin Melo
    “Estávamos removendo um paciente intubado. No meio do caminho, ele acordou da sedação. Normalmente, as pessoas tentam de todas as formas se livrar desses acessos, ele não. Permaneceu tranquilo até ser atendido no hospital de destino. Fiz questão de conversar para mantê-lo calmo e, mesmo mal, ele respondia fazendo um joia com a mão. Senti nos olhos dele de que ele estava confiando em nós e na sua melhora.”

    Lúcia Henrique
    “Um garotinho de 7 anos foi conduzido ao isolamento por suspeita da doença. Após ficar sob os cuidados da equipe, ele me perguntou, ‘tia, eu vou morrer de covid?’. Confesso que meu coração reagiu com taquicardia e os olhos marejaram. ‘Não, você nasceu para vencer’, foi o que respondi. Temos de vencer a cada dia de trabalho para dar sempre o melhor aos nossos pequeninos.”

    Jéssica Gomes
    “Uma paciente em remissão do câncer que voltou para ser atendida com covid me marcou, pois o seu otimismo era contagiante. Ela fazia questão de nos deixar bem, pois sabia que nossa rotina é estressante e exaustiva. Assim, a gente lembra de que cuidamos e que podemos ser cuidados.”

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