Correio Braziliense
postado em 15/07/2020 04:21
O mistério que envolve o caso do jovem picado por uma cobra naja kaouthia continua. O caso desencadeou uma investigação sobre um suposto esquema de tráfico nacional e internacional de animais silvestres e exóticos — uma prática que movimenta até US$ 20 bilhões em todo o país, segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, no Brasil (Renctas). Devido à repercussão, a Promotoria de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) se manifestou, ontem, e informou que acompanhará, de perto, o desdobramento da apuração policial. O estudante de medicina veterinária Pedro Henrique Krambeck Lehmkuhl segue em recuperação no apartamento onde mora com a família, no Guará 2, e pode prestar depoimento esta semana, em casa.
O tráfico de animais é a terceira atividade clandestina mais lucrativa do mundo, ficando atrás do tráfico de drogas e do de armas. No DF, somente entre janeiro e julho deste ano, 1.408 animais silvestres foram resgatados. No mesmo período de 2019, o número foi de 1.463, de acordo com dados do Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA). Aves, saruês e serpentes estão entre os bichos mais capturados.
Na avaliação de Líria Queiroz Hirano, professora de animais silvestres da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB), o tráfico de animais é mais do que ganhar dinheiro. Envolve, segundo ela, uma questão cultural. “Muitas pessoas sabem que algumas espécies peçonhentas, por exemplo, são proibidas no Brasil, mas, por acharem bonitas, por hobbie ou por exibicionismo, acabam aderindo a essa atividade ilegal”, frisou.
O crime de venda de animais silvestres está amparado na Lei 9.605 de Crimes Ambientais. A pena é detenção de seis meses a um ano, além de multa. Essa mesma penalidade vale para quem impede a procriação da fauna sem autorização, quem muda ou destrói o criadouro natural ou quem expõe ou vende espécies da fauna silvestre. A professora Líria Queiroz questiona. “Nossa lei é educativa e é mais branda, de maneira que todos conseguem pagar. Contudo, ela educa apenas o cidadão comum. Para os traficantes, que receberam penalização por mais de uma vez e continua a insistir no erro, por exemplo, deveria ser mais rígida”, afirmou.
O biólogo e superintendente de educação do Zoológico de Brasília, Alberto Brito, considera que muitos dos animais exóticos encontrados em solo brasileiro nascem no próprio país. “Vamos usar como exemplo a naja que picou o jovem. Ela e outros animais podem ter nascido aqui, em cativeiro, e se reproduzido. Entretanto, isso gera enormes consequências ao meio ambiente, como a questão de saúde e o surgimento de novos vírus e bactérias, uma vez que esses animais são de outros países. Outra coisa que pode ocorrer é a extinção das espécies nativas”, explicou.
Mais apreensões
Equipes de fiscais do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreenderam, ontem, uma cobra jiboia, uma tartaruga-tigre d’água e um jabuti. Os animais estavam sendo criados de forma ilegal, em uma casa, no Grande Colorado, em Sobradinho. Desde a semana passada, mais de 30 serpentes e outros animais exóticos, como os três tubarões encontrados em uma chácara na Colônia Agrícola Samambaia, em Taguatinga, foram resgatados no DF. O Ibama está à procura de um aquário próximo a Brasília para abrigar os peixes.
Segundo informações da Superintendência de Fiscalização do Instituto (Sufam), os répteis apreendidos ontem são nativos da fauna brasileira. A residência pertencia à mãe de uma médica veterinária, que recebeu o auto de infração e uma multa no valor de R$ 10.500. Os três animais foram retirados do local e encaminhados ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Ibama.
Dados mais recentes do Ibram mostram que, em 2019, foram realizadas 668 fiscalizações relacionadas à fauna. Dessas, 148 resultaram em autuação administrativa (com lavratura de auto de infração ambiental) e 514 sem constatação de infração ambiental. Quanto aos animais ou produtos de fauna apreendidos, 562 animais foram resgatados da fauna silvestre, sendo 80% composto de aves passeriformes e três subprodutos da fauna (o que também não é permitido, pela legislação vigente): um casco de tartaruga verde, um crânio com chifre de cervo do pantanal e uma carcaça de tatu peba.
“O tráfico de animais é altamente lucrativo, porque isso ocorre pelo baixo custo de aquisição. A captura, geralmente, é feita em locais de grande biodiversidade e pobres, do ponto de vista social e econômico, como em estados do Nordeste, do Norte e no Pantanal. Então, a pessoa vê isso como uma fonte de renda”, argumentou Victor Santos, diretor de fiscalização de fauna do Ibram.
Segundo ele, os dados não conseguem traduzir o volume real do tráfico de animais silvestres. “Os números que temos refletem uma parcela mínima. Infelizmente, esse ainda é um problema invisível aos olhos dos órgãos. Por isso, é tão importante o cidadão denunciar”, destacou.
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