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Correio Braziliense
postado em 15/07/2020 04:21

Conexão celular

O baiano-brasiliense Renato Matos fez três canções sobre os aparelhos de comunicação que mudaram nossas vidas: Um telefone é muito pouco, Guará 2 e Solidão celular (essa em parceria com o poeta TT Catalão). E o interessante é que a pandemia mudou o sentido de cada uma delas.

Logo que chegou a Brasília, Renato Matos ficou impressionado com as distâncias da cidade e compôs a clássica Um telefone é muito pouco. Muitos pensavam que se tratava de uma música romântica. Mas, para Renato, o problema era geográfico e de mobilidade urbana.

Visitava o Gama para namorar e tinha dificuldade de ir à cidade-satélite. No entanto, a volta era tranquila, pois sempre conseguia carona com deputados e doutores do Plano Piloto: “Um telefone é muito pouco/Pra quem ama como louco/E mora no Plano Piloto/Se a menina que o cara ama/Tá pra lá do Gama, mata de desgosto/E ele fica dentro do pijama/Em cima da cama/comendo biscoito”.

A canção expressa a introspecção a que a espacialidade e o silêncio de Brasília induzem. Ele veio da Bahia para morar com a família de Zilá Reis, mãe do ator Guilherme Reis. Todos saíam para trabalhar e Renato ficava em casa contemplando a cidade pela janela: “E a televisão com seus programas/Que não têm mais chama pra quem tá afoito/E ele foge para Asa Norte/Tropeçando em ratos/Que saem do esgoto”.

Uma outra música que se tornou trilha sonora da geração Cabeças é Guará 2. Renato a considera a primeira canção sertaneja de Brasília, embora venha embalada no balanço do reggae. Mas o tom é o lamentoso dor de cotovelo, provocado novamente pela dificuldade de deslocamento em Brasília, que afeta os relacionamentos amorosos: “A menina que eu amo/A menina que eu amei/Me deixou para depois/Porque eu moro no Guará 1/E ela mora no Guará 2/Ela de lá e eu de cá/Jornal não vou aguentar/Ai que frio/Palavras cruzadas não dá”.

Mais recentemente, Renato fez uma bela parceria com o poeta TT Catalão, Solidão celular. Pode ser considerada quase que uma sequência de Um telefone é muito pouco, mas, agora, em outras circunstâncias.

O aparelho que, em tese, promoveria a conexão total é criticado como reduto da solidão e da desumanização. Algumas pessoas costumam ou costumavam (antes da pandemia) ir aos bares e ficar defronte às outras com as maquininhas de digitar, sem mirar o olho do interlocutor.

No filme Sirig Dum Brasília, de André Luis de Oliveira, Renato erra pelo silêncio espacial de Brasília com a intimidade de quem passeia pela casa, com a voz ecoando: “Ah, ah, esta solidão celular/Ter todos ao alcance e não ter com quem falar/E não ter com quem falar com o coração/Ah, ah, esta solidão celular”.

Entretanto, com a pandemia, nós estamos mais para “um telefone é muito pouco/pra quem ama como louco/e mora no Plano Piloto”. Os, algumas vezes, tão vilipendiados celulares têm sido preciosos. São as imagens, os vídeos, as mensagens, os beijos e os abraços virtuais que estão nos salvando. Ah, ah, esta solidão celular...

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