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Projeto que nasceu na Universidade de Brasília (UnB) e expandiu-se para todo o país traduz em Libras recomendações de saúde em tempos de pandemia, para surdos, ensurdecidos e surdocegos

Correio Braziliense
postado em 16/07/2020 04:11
Fabiane e Roberta integram projeto da UnB que traduz orientações médicas da OMS e Secretaria de Saúde para Libras


92 mil
Número de moradores do DF com algum tipo de comprometimento na audição


As recomendações de saúde em tempos de pandemia do novo coronavírus podem ser consideradas repetitivas para boa parte da população, que acompanha as orientações de órgãos oficiais desde o surgimento dos primeiros casos suspeitos no país. Mas, uma parcela considerável de pessoas encontra dificuldade no acesso às informações. O Distrito Federal tem cerca de 92 mil moradores com algum tipo de comprometimento na audição, enquanto o país concentra mais de 40 mil surdocegos. Pensando nesse público, professores da Universidade de Brasília (UnB) deram início a um projeto que produz materiais informativos sobre a covid-19 em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

“Pensamos em como fazer chegar essas informações não só aos nossos alunos surdos, mas a toda a comunidade surda no Brasil, incluindo localidades onde não existem profissionais da área de Libras”, contou Roberta Cantarela, professora de português como segunda língua do Instituto de Letras. A proposta é recente, mas faz parte de uma série de ações da universidade voltadas para dar acesso à informação, educação e cidadania. “No início da pandemia, percebi que muitas pessoas se informavam sobre os métodos de prevenção pelas redes sociais. Por isso, pensamos em criar um produto com orientações corretas, de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, diz Roberta.

A iniciativa nasceu de um diálogo com outros educadores. Fabiane Pagy, professora de Libras da UnB, estava criando vídeos acessíveis e foi convidada para integrar o grupo. “A Roberta teve esse insight, ligando meus vídeos ao conhecimento dela em literatura. Na proposta, sou uma das pessoas que fazem a dramatização, ou seja, uma das que atuam sinalizando, apresentando as informações à comunidade para que os surdos, ensurdecidos e surdocegos não fiquem alheios às notícias e a dados fundamentais”, contou Fabiane. O primeiro vídeo foi criado ainda em março, com um informativo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As últimas produções enfatizavam os motivos da importância do isolamento social e explicavam os principais termos da pandemia.

Retornos positivos

Outra barreira que as educadoras quiseram quebrar foi da transmissão de conteúdos para crianças, que, por conta da pouca idade, têm dificuldades em compreender o momento atual. “Como minha filha de 3 anos também me fazia muitas perguntas sobre a pandemia, resolvi gravar e divulgar vídeos direcionados às crianças surdas. Há muitos livrinhos que já explicam para as crianças essas informações tão relevantes, mas nada ainda tinha sido feito para as crianças surdas”, explicou Fabiane. O retorno acabou sendo, ainda, melhor do que o esperado.

Nas redes sociais, muitos surdos e pais ouvintes elogiaram a ação, dizendo que nem sempre conseguiam se comunicar com os filhos com deficiência auditiva, ainda mais para tratar de um assunto importante como esse. Maurício Massouh, 25, é surdo e estudante de jornalismo, e ressaltou a importância desse tipo de conteúdo. “São vídeos muito legais e que deveriam alcançar ainda mais gente, pela relevância. Já havia visto algumas campanhas parecidas sobre a covid-19 do governo local e do Ministério da Saúde, então é um trabalho que todos os tradutores e intérpretes que fazem merecem os parabéns”, avalia.

A proposta também ganhou contornos fora do DF. Uma equipe multidisciplinar foi formada com apoio da diretora do Campus Palhoça Bilíngue do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Eliana Bär; da bibliotecária Zeneida Britto, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS); e da estudante Macrysla Silva, da própria UnB.

Recursos

O projeto é novo e ainda tem muito a conquistar, segundo as idealizadoras. Mas ele é feito com mais paixão do que recursos, pois as pesquisadoras encaram a realidade da falta de verbas para a ação e produzem com o pouco que têm. “Acredito que a ampliação do projeto é algo que ocorrerá de forma natural, abrangendo todos os tipos de informação fundamentais à comunidade surda, não apenas sobre o coronavírus ou sobre a pandemia. Creio que uma ampliação e o desenvolvimento de um projeto de extensão universitária é nosso futuro, para trazer informação a todos os que necessitam, sobre assuntos fundamentais e que muitas vezes não são tratados com as pessoas surdas”, pontua Fabiane.
Roberta Cantarela também acredita nisso. “O nosso projeto necessita não só de uma adequação ao momento que vivemos, com produção em nossas casas, mas, também, de uma necessidade de equipamentos que façam os vídeos terem a qualidade necessária para atender realmente ao nosso objetivo”, lembra.

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