Cidades

ONG que abriga onças resgatadas tem dificuldades para alimentar animais

Lar para os grandes felinos que não têm condições de voltar aos habitats naturais, o Nex é uma ONG que acolhe, conserva, e preserva esses animais. Durante a pandemia, está mais difícil conseguir carne para alimentar os predadores

Correio Braziliense
postado em 19/07/2020 07:00
Rogério Silva ao lado da onça-pintada Xamã: No meio da mata fechada, o Cerrado abafa o esturro da onça. Embrenhado na serra, a cerca de 80km de Brasília, no município de Corumbá (GO), está um recanto destinado a grandes felinos que não têm condições de voltar a viver soltos na mata. A organização não governamental (ONG) Nex — No Extinction acolhe e protege animais que escaparam de caçadores e contrabandistas. O projeto, que teve início em 2001, mantém, atualmente, um plantel de 22 animais, sendo 14 onças-pintadas, 7 suçuaranas, e uma jaguatirica.

Lá também é feito o trabalho de readaptação, para que, os que tenham condições, como os filhotes, possam ser reinseridos no habitat. O processo, no entanto, é caro. Até o momento, quatro onças puderam ser devolvidas à natureza. A fundadora do Nex, Cristina Gianni, 72 anos, explica que um dos itens necessários é a construção de um recinto no bioma natural do animal. Pelo menos um espaço de um hectare seja construído no local. Ali, o animal irá, aos poucos, se adaptar, até que esteja pronto para soltura. “Devolvê-los a natureza não é tão simples. Se for feito de qualquer jeito, eles morrem.”

Os felinos que chegam ao Nex são encaminhados pelos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama. O caso mais recente é o de Merlí, uma onça-pintada macho que, em 2016, havia sido baleada na cabeça por pescadores no Maranhão. O animal passou por diversas cirurgias e sobreviveu, mas acabou ficando cego. “É muito triste, porque ele era livre. Depois do atendimento em hospital veterinário, passou três anos e meio no Cetas, porque não tinha outro local adequado. Chegou aqui em janeiro de 2020, e construímos um espaço só para ele”, explica Cristina, que espera encontrar uma fêmea para lhe fazer companhia. “Primeiro, a gente precisa entender melhor o comportamento dele, para colocar uma parceira compatível com o temperamento.”


Classificado como criadouro científico para fins de conservação, o Nex faz parte da rede que atua para preservação de espécies ameaçadas de extinção. Graças a isso, em 2019, o Zoológico de Brasília encaminhou a fêmea de onça-pintada Gabriela para conhecer o macho Ogun. Aos poucos, a equipe da ONG apresentou os gatos e, cerca de um ano depois, nascia Oxossi, o caçula do plantel. Mãe e filho compartilham o mesmo recinto, para que o filhote aprenda, de forma natural, a ser independente.

Amor natural


Cristina brinca que o Nex foi fundado por uma onça. Em 2001, um sobrinho que é biólogo e trabalhava no Zoológico de Brasília, mostrou a ela uma pintada chamada Pacato, que estava no setor extra, um espaço onde chegam animais feridos. Comovida, ela disse que tinha uma fazenda, e perguntou se não poderia recebê-la. “Deram as coordenadas de como fazer, tirar a documentação necessária e já começamos a construir um recinto de 400m² para o macho”, lembra. “Pacato viveu 19 anos. Já o conheci adulto, e estava em condições desfavoráveis, embora não estivesse ferido. Ele era muito humanizado, porque teve vários problemas de saúde e precisou ser cuidado, então estava mimado.”

Sansão é um dos animais mais velhos no santuário Nex. Apesar da idade, a onça macho mantêm o instinto de caça

Ela explica que, uma vez que as onças estão muito acostumadas aos humanos, não conseguem mais viver na natureza selvagem. De lá para cá, ela foi se especializando e a ONG surgiu com a devida autorização dos órgãos ambientais. O trabalho é fundamental para proteger as espécies do contrabando. “É uma preocupação mundial. As onças são abatidas tanto para o tráfico local quanto internacional. Existe um comércio ilegal de órgãos e dentes para fazer uma suposta poção milagrosa que funcionaria como estimulante sexual para homens”, ressalta.

Hoje, ela conta com dois responsáveis técnicos na fazenda. O restante é ajuda voluntária. Biólogos, veterinários e até mesmo frigoríficos que compartilham da mesma causa fazem com que a fazenda onde o Nex funciona, seja mantida. Ela estima que o custo mensal de manutenção esteja na casa de R$ 15 mil. Por dia, os felinos consomem cerca de 40kg de carne. Durante a pandemia do novo coronavírus, está mais difícil manter o espaço. “Nosso fornecimento de carne ficou muito prejudicado”, lamenta. “Além disso, nós fazíamos visitas guiadas, em grupos de cerca de 20 pessoas e cobrávamos ingresso, o que ajudava nos custos. Agora, não podemos mais fazer.”


Aprendizado


Conviver com os grandes gatos tem sido um grande aprendizado para a ativista. “É um ser de outra espécie, mas com os mesmos sentimentos. A maternidade e o desejo de liberdade são iguais”, reforça. “Para eles, não existem problemas, mas, sim, desafios.” O sentimento contagia a equipe. Rogério Silva, 39, é tratador das onças há duas décadas e garante que o amor motiva o trabalho.

Algumas das tarefas dele incluem a alimentação e limpeza dos recintos, além do enriquecimento ambiental. “Por mais que o animal esteja em um ambiente o mais próximo da natureza possível, ele entra em uma rotina, e isso pode ser muito estressante. O enriquecimento é a quebra, ou seja, encontrar formas de fazer com que ele trabalhe os instintos dele, como a caça.”

Gabriela deu a luz ao filhote Oxóssi, no criadouro, em março

Atualmente, a onça-pintada Xamã é o maior do Nex, pesando 100kg. Mas um dos filhotes, Guarani, é promessa de quebrar o recorde. “É um dos que mais sou apegado. Quando é pequeno, dá mais trabalho e pede carinho, então você se aproxima mais.” Com todo o afeto, enfrentar a perda quando um dos bichos morre é um desafio. Livres, os felinos podem viver até 15 anos. Em cativeiro, alguns chegam aos 25. “Dizem que gatos têm sete vidas, e têm mesmo. São animais que dificilmente adoecem. Se ele se alimentou bem e está em um local confortável, vai longe. Mas, o tempo chega para todo mundo”, ressalta Rogério.


  • Como ajudar

    Quem tiver interesse em contribuir com o trabalho do Nex, pode enviar um e-mail para cristina@nex.org.brinformando como quer auxiliar.


  • O que diz a lei

    O tráfico de animais silvestres configura crime ambiental. A pena, para quem o comete, varia de seis meses a um ano. O tempo é aumentado à metade, se a espécie for ameaçada de extinção ou se ocorrer à noite.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags