Mariana Machado
postado em 19/07/2020 07:00
Lá também é feito o trabalho de readaptação, para que, os que tenham condições, como os filhotes, possam ser reinseridos no habitat. O processo, no entanto, é caro. Até o momento, quatro onças puderam ser devolvidas à natureza. A fundadora do Nex, Cristina Gianni, 72 anos, explica que um dos itens necessários é a construção de um recinto no bioma natural do animal. Pelo menos um espaço de um hectare seja construído no local. Ali, o animal irá, aos poucos, se adaptar, até que esteja pronto para soltura. ;Devolvê-los a natureza não é tão simples. Se for feito de qualquer jeito, eles morrem.;
Os felinos que chegam ao Nex são encaminhados pelos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama. O caso mais recente é o de Merlí, uma onça-pintada macho que, em 2016, havia sido baleada na cabeça por pescadores no Maranhão. O animal passou por diversas cirurgias e sobreviveu, mas acabou ficando cego. ;É muito triste, porque ele era livre. Depois do atendimento em hospital veterinário, passou três anos e meio no Cetas, porque não tinha outro local adequado. Chegou aqui em janeiro de 2020, e construímos um espaço só para ele;, explica Cristina, que espera encontrar uma fêmea para lhe fazer companhia. ;Primeiro, a gente precisa entender melhor o comportamento dele, para colocar uma parceira compatível com o temperamento.;
Classificado como criadouro científico para fins de conservação, o Nex faz parte da rede que atua para preservação de espécies ameaçadas de extinção. Graças a isso, em 2019, o Zoológico de Brasília encaminhou a fêmea de onça-pintada Gabriela para conhecer o macho Ogun. Aos poucos, a equipe da ONG apresentou os gatos e, cerca de um ano depois, nascia Oxossi, o caçula do plantel. Mãe e filho compartilham o mesmo recinto, para que o filhote aprenda, de forma natural, a ser independente.
Amor natural
Cristina brinca que o Nex foi fundado por uma onça. Em 2001, um sobrinho que é biólogo e trabalhava no Zoológico de Brasília, mostrou a ela uma pintada chamada Pacato, que estava no setor extra, um espaço onde chegam animais feridos. Comovida, ela disse que tinha uma fazenda, e perguntou se não poderia recebê-la. ;Deram as coordenadas de como fazer, tirar a documentação necessária e já começamos a construir um recinto de 400m; para o macho;, lembra. ;Pacato viveu 19 anos. Já o conheci adulto, e estava em condições desfavoráveis, embora não estivesse ferido. Ele era muito humanizado, porque teve vários problemas de saúde e precisou ser cuidado, então estava mimado.;
Ela explica que, uma vez que as onças estão muito acostumadas aos humanos, não conseguem mais viver na natureza selvagem. De lá para cá, ela foi se especializando e a ONG surgiu com a devida autorização dos órgãos ambientais. O trabalho é fundamental para proteger as espécies do contrabando. ;É uma preocupação mundial. As onças são abatidas tanto para o tráfico local quanto internacional. Existe um comércio ilegal de órgãos e dentes para fazer uma suposta poção milagrosa que funcionaria como estimulante sexual para homens;, ressalta.
Hoje, ela conta com dois responsáveis técnicos na fazenda. O restante é ajuda voluntária. Biólogos, veterinários e até mesmo frigoríficos que compartilham da mesma causa fazem com que a fazenda onde o Nex funciona, seja mantida. Ela estima que o custo mensal de manutenção esteja na casa de R$ 15 mil. Por dia, os felinos consomem cerca de 40kg de carne. Durante a pandemia do novo coronavírus, está mais difícil manter o espaço. ;Nosso fornecimento de carne ficou muito prejudicado;, lamenta. ;Além disso, nós fazíamos visitas guiadas, em grupos de cerca de 20 pessoas e cobrávamos ingresso, o que ajudava nos custos. Agora, não podemos mais fazer.;
Aprendizado
Conviver com os grandes gatos tem sido um grande aprendizado para a ativista. ;É um ser de outra espécie, mas com os mesmos sentimentos. A maternidade e o desejo de liberdade são iguais;, reforça. ;Para eles, não existem problemas, mas, sim, desafios.; O sentimento contagia a equipe. Rogério Silva, 39, é tratador das onças há duas décadas e garante que o amor motiva o trabalho.
Algumas das tarefas dele incluem a alimentação e limpeza dos recintos, além do enriquecimento ambiental. ;Por mais que o animal esteja em um ambiente o mais próximo da natureza possível, ele entra em uma rotina, e isso pode ser muito estressante. O enriquecimento é a quebra, ou seja, encontrar formas de fazer com que ele trabalhe os instintos dele, como a caça.;
Atualmente, a onça-pintada Xamã é o maior do Nex, pesando 100kg. Mas um dos filhotes, Guarani, é promessa de quebrar o recorde. ;É um dos que mais sou apegado. Quando é pequeno, dá mais trabalho e pede carinho, então você se aproxima mais.; Com todo o afeto, enfrentar a perda quando um dos bichos morre é um desafio. Livres, os felinos podem viver até 15 anos. Em cativeiro, alguns chegam aos 25. ;Dizem que gatos têm sete vidas, e têm mesmo. São animais que dificilmente adoecem. Se ele se alimentou bem e está em um local confortável, vai longe. Mas, o tempo chega para todo mundo;, ressalta Rogério.
- Como ajudar
Quem tiver interesse em contribuir com o trabalho do Nex, pode enviar um e-mail para cristina@nex.org.brinformando como quer auxiliar. - O que diz a lei
O tráfico de animais silvestres configura crime ambiental. A pena, para quem o comete, varia de seis meses a um ano. O tempo é aumentado à metade, se a espécie for ameaçada de extinção ou se ocorrer à noite.