Correio Braziliense
postado em 21/07/2020 04:07
No lugar da lousa, a tela do computador. Em vez de giz, mouse. A rotina dos professores precisou ser adaptada durante a quarentena, trocando a sala de aula por videochamada. Preparar lições, gravar vídeos, produzir slides e apresentar tudo on-line sobrecarregou os docentes, que se viram em uma nova realidade de ensino. Agora, eles preparam-se para o retorno das atividades presenciais, que continuarão dividindo tempo com as remotas.
Na casa dos professores Suely Silva, 42 anos, e César de Paula, 47, o casal soma as rotinas como educadores à de pais e donos de casa. “Tenho um filho de 9 anos e um de 2, e eles demandam muita atenção. Se eu estou dando aula, o mais velho vem, quer participar”, destaca César. “Enquanto mulher, por mais que a gente faça o discurso da divisão das tarefas, eu me sinto sobrecarregada, porque, antes, tinha o horário da escola, quando me dedicava só ao trabalho, e depois, vinha a gerência da casa. Agora, é tudo junto. O desgaste mental é muito grande”, conta Suely.
E haja criatividade para dar conta de prender a atenção dos jovens. Vale mostrar trechos de filmes e séries, vídeos e slides. Na residência do casal, um quarto virou estúdio, com luzes, câmeras e todo tipo de equipamento. César dá aulas de filosofia no Centro de Ensino Médio 3 (CEM 3) de Taguatinga e conta que, embora esteja bem-adaptado ao método, sente que a grande dificuldade está no acesso dos estudantes. “Gosto da dinâmica do ao vivo, sinto-me em sala de aula e funciona para mim. Mas muitos alunos não podem ter internet de qualidade em casa, ou não têm computador, e fazem tudo pelo celular, o que não é a mesma coisa”, observa.
Para Suely, as coisas são um pouco mais difíceis. Ela é pedagoga na Escola Classe 317 de Samambaia, que atende à educação infantil. “Os meus alunos têm entre 4 e 5 anos. É frustrante, porque eu lido com crianças pequenas, quando não há aprendizado sem afetividade”, explica. Sem a força do abraço, passa a ser muito mais difícil lecionar. “Na periferia, existe muita coisa envolvida, como fome, drogas, alcoolismo. Alguns pais têm condições de lidar com os conteúdos, mas muitos não. Envolvê-los é mais complicado.”
Os dois estão preocupados com a volta para a sala de aula, enquanto o DF continua registrando escalada tanto em número de infectados como de óbitos por covid-19. “É evidente que o Brasil não se preparou para essa pandemia. Pareceu que, em Brasília, se faria um bom trabalho, mas não fez”, critica César. “Com a volta dos estudantes, a contaminação será geral. Não tem nenhuma medida preventiva das escolas que vá resolver em uma situação de disseminação desse vírus, que é bem perigoso”, diz o docente.
Antônio di Lélis, vice-diretor do CEM 3, explica que a escola se prepara, pensando no afastamento de carteiras, instalação de totens para álcool em gel e lavatórios na entrada da escola. Contudo, toda a comunidade escolar está cautelosa com o retorno. “Sem uma vacina, estamos angustiados de voltar. Fizemos um questionário com os profissionais e, de 60 pessoas, mais ou menos 60% afirmaram ser grupo de risco, ou ter alguém em casa que precise ser preservado”, detalha. “A nossa profissão exige trabalhar na coletividade. O aluno recebe o professor com um abraço e evitar isso na volta presencial será muito complicado”, ressalta.
Pelo Decreto nº 40.939, publicado no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), as instituições de ensino da rede pública podem voltar a funcionar a partir de 3 de agosto. Na última semana, a Secretaria de Educação divulgou o calendário de retorno das atividades presenciais, a ser feita de forma escalonada, começando em 31 de agosto (veja Cronograma). Na rede particular, a data é 27 de julho.
Em nota, a Secretaria de Educação informou que, até o fim do mês, disponibilizará pacotes de dados gratuitos. A pasta articula uma forma de oferecer linha de crédito para a compra de computadores. Além disso, as teleaulas estão suspensas e passaram a ser transmitidas pela plataforma Escola em Casa DF, e por material impresso, para alunos sem conexão. “A proposta da pasta é de que, a partir de agosto, as aulas sigam um modelo híbrido, pelo qual metade da turma vai presencialmente à escola, e os demais 50% têm aulas pela plataforma. Na semana seguinte, a turma inverte”, adianta.
Rede privada
Para os professores das escolas privadas, a rotina também é intensa. No apartamento da professora de português Paula Cavalcante, 34, foi preciso instalar uma lousa na parede. “Tem sido um momento de adaptação. Primeiro, foi o choque de saber tudo o que está acontecendo mundialmente e, logo em seguida, todas as demandas para manter a aprendizagem e o contato com os alunos”, detalha. “Além das dificuldades pedagógicas, têm os problemas emocionais. O medo da pandemia e a angústia de não saber quando tudo isso vai acabar.” Paula dá aulas para os anos finais do ensino fundamental do Sigma. O maior desafio no método remoto é prender a atenção dos jovens. “Minha dificuldade maior é convencê-los a abrir as câmeras e ligar os microfones. On-line, nem sempre sabemos quem está ali e é preciso chamar para ver quem está”, revela.
A diretora do Sigma da Asa Norte, Áurea Bartoli, comenta que a escola desenvolveu a campanha Cuidando da gente. Quinzenalmente, uma roda de conversa on-line entre os funcionários serve como desabafo. “Eles queriam falar de saúde mental, convivência, possibilidades de comunicação e questões físicas, como o cansaço de passar o dia em frente a uma tela de computador”, destaca. Com as demandas, os encontros passaram a proporcionar momentos de meditação, música, debates e alongamentos para proporcionar bem-estar.
Doutora em psicologia e professora do Centro Universitário Iesb, Camila Torres explica que é fundamental para o profissional ter uma rede de apoio. “É a garantia de, no mínimo, uma sobrevivência saudável.” Nesse cenário, a empresa deve buscar uma forma de contribuir com a saúde mental dos trabalhadores. “Se a instituição movimenta as pessoas em torno de um amparo, para que tenham espaço para compartilhar e pensar estratégias, isso facilita. Organizações que foram compreensivas e abriram espaços de escuta favoreceram o desempenho. Aquelas que só cobraram e exigiram aumentaram o risco do adoecimento”, alega.
Cronograma
Veja a previsão de volta às aulas das escolas públicas, segundo cronograma estabelecido pela Secretaria de Educação:
» Etapa de preparação
3 de agosto — Escolas, faculdades e demais instituições de ensino da rede pública podem voltar a funcionar
De 3 a 14 de agosto — Profissionais da educação serão testados para a covid-19
De 17 a 28 de agosto — Ambientação dos profissionais das carreiras de magistério e assistência, com formação para os protocolos de segurança nas unidades escolares, de acordo com as orientações das autoridades de saúde pública
» Retorno
31 de agosto — Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a Educação Profissional
8 de setembro — Ensino médio
14 de setembro — Anos finais do ensino fundamental
21 de setembro — Anos iniciais do ensino fundamental
28 de setembro — Educação infantil
5 de outubro — Educação precoce e classes especiais
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