Correio Braziliense
postado em 23/07/2020 04:18
Criticada por arquitetos e urbanistas por desfigurar o projeto original de Brasília, a lei que altera o Plano Diretor de Publicidade para permitir a instalação de painéis com divulgação de propaganda e conteúdo jornalístico em algumas regiões tombadas — como o equipamento pertencente à empresa Metrópoles Mídia e Comunicação, de propriedade do senador cassado Luiz Estevão — é inconstitucional, segundo especialistas e parlamentares ouvidos pelo Correio. Sancionada ontem pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), a norma pode ser alvo de questionamentos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
Mestre em direito constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a professora e advogada Denise Vargas avalia o projeto de lei aprovado, na forma e no conteúdo: “Ele tem aquilo que chamamos de inconstitucionalidade formal subjetiva, porque o sujeito que a ofereceu (a Câmara Legislativa) não tinha legitimidade para propor sobre aquele assunto. A Lei Orgânica deixa claro que temas relacionados ao direito urbanístico e à conservação de Brasília são reservados para iniciativa do Executivo”, explica.
A especialista lembra que o tombamento está previsto na Constituição Federal como instrumento do poder público para proteger bens culturais. “Ora, se Brasília é tombada e tem uma série de restrições — inclusive para uso do espaço público por propagandas —, esse tipo de lei que reduz a proteção ao patrimônio cultural, a meu ver, atinge o tombamento. Portanto, essa lei também seria materialmente inconstitucional.” O texto, segundo Denise, pode ser questionado no TJDFT.
A medida pode impactar diretamente o painel publicitário, do senador cassado Luiz Estevão, dono do site Metrópoles, instalado no Setor Bancário Sul (SBS), região na qual a legislação urbanística da capital federal, até então, vedava alguns tipos de divulgação (leia Memória).
Tramitação
Apresentado pelos distritais Delmasso (Republicanos) e Rafael Prudente (MDB), o projeto de lei chegou ao plenário em 20 de maio. A aprovação ocorreu às pressas, menos de um mês depois, em 17 de junho. Urbanistas e deputados contrários à mudança consideraram que a matéria apresentava vício de iniciativa, pois deveria ter partido do Poder Executivo, ao invés do Legislativo. A proposta tramitou em ritmo acelerado na Casa e foi avaliada sem consulta a entidades ou especialistas, passando pelas comissões diretamente no plenário, sem uma discussão mais aprofundada.
O deputado Delmasso comentou que o principal objetivo do projeto seria mudar a Lei do Plano Diretor de Publicidade para permitir a veiculação de notícias em painéis eletrônicos. Em relação aos questionamentos sobre não haver consulta a órgãos técnicos, o parlamentar disse que os motivos seriam as poucas alterações. “Era uma mudança tão pequena que até fiquei constrangido de incomodar órgãos de tamanha importância, como o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), nessa situação”, alegou.
Acerca de suposta inconstitucionalidade, o distrital considerou não haver vício de iniciativa. “Se houvesse alguma obrigação colocada ao Poder Executivo, poderia haver (vício). O conteúdo da lei não muda parâmetros e não coloca nenhuma atribuição nova. Se fosse inconstitucional, com certeza, o governador não sancionaria”, completou.
Contrário ao projeto de lei, o deputado distrital Leandro Grass (Rede) afirma que a iniciativa é inconstitucional. “É um contrassenso. Quando vamos para outras cidades no exterior, a gente sempre volta com o discurso de que não temos no Brasil política de patrimônio urbanístico. Mas, quando temos essa oportunidade em uma cidade jovem como Brasília, a gente caminha para trás. Não sou radical, a cidade tem que se adaptar, mas há questões que precisam ser mantidas e não podemos ceder ao interesse econômico”, disse.
Reginaldo Veras (PDT) também defende que a lei é inconstitucional. “No meu entender, fere gravemente o tombamento. Espero uma ação incisiva do Ministério Público questionando a constitucionalidade e talvez até com medida cautelar para impedir que mudanças sejam feitas”, destaca. O Correio questionou o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) sobre o assunto, mas não obteve resposta oficial até o fechamento desta edição.
Prejuízos
Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF), Daniel Mangabeira lamentou a decisão. Ele considerou a iniciativa capaz de prejudicar a imagem da cidade e disse esperar que a sanção possa ser revista. “Como demorou tanto para acontecer, imaginei que não o fariam. Uma pena que esse tipo de iniciativa da Câmara Legislativa venha, de maneira pouco discutida, ser implementada”, comentou. Para Mangabeira, o fato de Brasília ser patrimônio cultural da humanidade exigiria “sensibilidade” para tratar do assunto. “É (uma decisão) maléfica, prejudicial e retrógrada. Temo pelas constantes investidas, não apenas da área governamental, mas, também, da iniciativa privada a respeito do futuro da cidade”, completou.
Integrante do Movimento Urbanistas por Brasília, Romina Faur Capparelli questionou a legitimidade da norma por considerá-la uma “afronta à Lei Orgânica do Distrito Federal”. “É uma matéria técnica, que modifica tamanho de painéis, mas não foram ouvidos órgãos técnicos. Não houve audiências públicas, participação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação ou do Iphan. As alterações são muito indicativas do tipo de empreendimento que se pretende favorecer. ‘Divulgação de conteúdo jornalístico ou de interesse público’ são termos totalmente vagos”, critica Romina.
No fim da manhã de ontem, o Correio questionou o GDF sobre a possível inconstitucionalidade da lei e solicitou uma fonte para comentar o assunto. À tarde, a reportagem reforçou o pedido. No entanto, até o fechamento desta edição, não houve retorno. O advogado de Luiz Estevão e da empresa Metrópoles no processo, Marcelo Bessa, disse que não se manifestaria sobre o assunto.
Memória
Imbróglio judicial
O painel da empresa Metrópoles Mídia e Comunicação, do senador cassado Luiz Estevão, chegou a ser retirado pela extinta Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis), em 2018, por determinação do TJDFT, mas voltou a funcionar após decisão monocrática em 2019. Em junho deste ano, a Justiça negou um recurso da empresa para que o painel continuasse em funcionamento. “Muito embora faça a agravante jus aos direitos fundamentais à liberdade de expressão e de imprensa, tais prerrogativas, bem como todos os demais direitos, não são absolutas e não podem ser utilizadas como justificativa para violar o direito da coletividade ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, por intermédio de uma política urbanística adequada”, dizia trecho do acórdão publicado.
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