Correio Braziliense
postado em 23/07/2020 04:18
Tempos atrás, cheguei a fazer uma lista nesta coluna dos problemas insanáveis e insolúveis da cidade. No topo do ranking, figurava a insegurança na Rodoviária do Plano Piloto. O problema atravessou vários governos ao longo do tempo e se agrava cada vez mais. Sempre é preciso repisar o tema.
Gente de múltiplos pontos do DF e do Entorno converge para lá em um fluxo nervoso. Sou um usuário do transporte público e sempre passava pela Rodoviária na volta para casa. Mas deixei de frequentar aquele espaço depois de um episódio.
Em outubro, do ano passado, a minha esposa saía do condomínio quando um morador pediu carona. Era um rapaz que conhecemos. Estava com o corpo enfaixado e contou que ia ao hospital para fazer um curativo. Ela perguntou o que havia e ele respondeu que, certa tarde, passou pela Rodoviária para tomar um ônibus. Um grupo de adolescentes que vive na rua o cercou e pediu o celular.
O rapaz disse que não tinha e um dos garotos lhe desferiu uma facada. Felizmente, ele se recuperou e está bem. Um dos policiais que o atenderam informou que esse tipo de ocorrência tem sido frequente naquele território. A partir desse dia, a minha família não permitiu que eu tomasse mais ônibus na Rodoviária.
A Rodoviária é, ao lado da Torre de TV, o único projeto arquitetônico do criador de Brasília, Lucio Costa. No livro O risco – Lucio Costa e a utopia moderna, que reúne depoimentos do filme de Geraldo Motta Filho, sobre Lucio Costa, o arquiteto Ciro Pirondi afirma que o vazio de Diamantina foi a grande inspiração do urbanista criador de Brasília. E a Rodoviária seria a concretização desse pensamento. “É um exemplar único, maravilhoso. Ali, ele fez o que todo arquiteto deseja fazer: o não edifício”.
Pirondi comenta: é uma aula de como realizar um edifício resolvendo toda a articulação da cidade: ora some, ora aparece, e você chega sem saber que chegou: “Assim é a rodoviária, por isso ele fez tanta questão de desenhá-la -é um projeto seu. Não queria uma obra que fosse ‘o edifício’, competindo com as edificações belas ali ao lado – a Catedral, o Teatro Nacional, ou o próprio Eixo Monumental, que faz a linha transversal e longitudinal da cidade. Ela é uma permanente fonte de inspiração para nós”.
A Rodoviária passa por um processo de degradação há muito tempo. Com o descaso, se vê ameaçada, cotidianamente, pela criminalidade e se tornou um lugar inseguro. O posto policial está fechado para reformas, sem previsão de quando voltará a funcionar.
Ante a ausência de policiamento, os comerciantes resolveram contratar segurança pessoal. Mas, por lá, passam 700 mil pessoas todos os dias, de vários pontos do DF e do Entorno. Como fica quem é apenas um trabalhador e não pode pagar segurança pessoal? A Rodoviária precisa receber um tratamento digno da sua relevância humana e arquitetônica.
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