Correio Braziliense
postado em 25/07/2020 04:15
Há anos que o uso medicinal da maconha é discutido. Nesta semana, um jovem brasiliense ganhou o direito de cultivar a planta em casa para utilizá-la no tratamento da depressão e da ansiedade. A decisão é liminar. O magistrado da 15ª Vara Federal do Distrito Federal que expediu habeas corpus preventivo entendeu que “o conceito sobre saúde deve, também, abranger o completo bem-estar físico, mental e social do homem.”
O caso analisado é de Arthur*, 21 anos. No final de 2018, o estudante começou a tratar os transtornos com a cannabis. O rapaz sofre de quadros graves de ansiedade e depressão. “Durante as piores crises, cheguei a emagrecer 10kg. Não conseguia estudar nem fazer outras coisas, passava o dia no quarto”, lembra. Com o uso da maconha, o rapaz notou melhora gradual dos sintomas que sentia, especialmente, no estômago, que estava comprometido devido ao consumo constante de medicamentos controlados, como ansiolíticos e antidepressivos. Logo, ele decidiu, junto à psiquiatra que o acompanhava, a procurar um neurologista que pudesse receitar o óleo de cannabis como tratamento regular.
Dois anos depois de iniciar a terapia, as crises sumiram. “A maconha veio como algo salvador que mudou minha vida. Hoje, sou uma pessoa mais tranquila e ativa, consegui até entrar em uma faculdade”, comemora. Atualmente, o rapaz usa a maconha por inalação e em forma de óleo — produzido pela Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace Esperança), a entidade conquistou o direito de cultivar a cannabis na Paraíba e distribuir para os 5 mil associados pelo Brasil.
Arthur mora em um apartamento. Ontem, comprou os materiais para iniciar a plantação de cannabis. A muda vai ficar no quarto dele, em uma caixinha especial, com iluminação artificial controlada.
Moradora do Lago Norte, Lanna Turner de Souza, 60, é outra brasiliense que usa a maconha para tratamento de saúde. Por indicação médica, a servidora pública consome a cannabis em gotas, há cerca de 6 meses, devido a dores crônicas, depressão e fibromialgia. “Um amigo conhecia uma outra pessoa que sofria com as mesmas dores que eu, e usava a maconha medicinal como tratamento. Eu entrei em contato, e ela me indicou um médico para avaliar melhor meu caso”, afirma. Depois de realizar todos os exames necessários, o especialista prescreveu a terapia.
O medicamento de Lanna é importado. Após o sinal verde do médico, ela enviou o pedido para que Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a autorizasse a trazer o óleo de cannabis dos Estados Unidos. “Eu uso dez gotas a cada oito horas e sinto muita melhora nas minhas dores. Minha primeira receita é válida por mais quatro meses; quando ela expirar, pretendo renovar o pedido”, adianta a servidora. Atualmente, um medicamento a base da cannabis, de 30ml, custa a partir de 65 dólares, sem os encargos de importação.
Os primeiros a conseguirem autorização da Justiça brasileira para o uso medicinal da cannabis foram Katiele e Norberto Fischer, pais de Anny, menina que tinha 5 anos na época dos fatos. Portadora da síndrome CDKL5 — que provoca problemas de desenvolvimento, perda de habilidades na fala, movimentos repetitivos das mãos — a garota sofria, em média, 60 convulsões. Como os remédios não faziam efeito, os pais decidiram importar, ilegalmente, o canabidiol (CDB), substância derivada da maconha. Logo, começou a mostrar melhora na saúde.
“No início, a Anny ficou um ano inteiro sem ter crise. Hoje, varia bastante. Fica semanas sem crise, e depois volta a ter. Mas nada se compara ao momento antes do CBD. Hoje, temos maior qualidade de vida. Nosso desejo é que a discussão avance”, afirma o pai, Norberto Fischer. A família travou uma batalha judicial para importar legalmente o medicamento. A decisão, expedida em 2014, foi pioneira no país e abriu caminho para que outras pessoas buscassem acesso legal à planta, como Arthur e Lanna. A história da família Fischer foi retratada no documentário Ilegal, do diretor Tarso Araújo.
Remédio
O psicólogo Igor Barros explica que estudos indicam como a cannabis pode melhorar o estilo de vida de algumas pessoas. “Já é verificado que a substância proporciona maior qualidade de vida a pacientes com doenças como câncer, dor crônica, epilepsia e glaucoma”, diz. Ele afirma que a substância inibe estímulos de dores agudas no organismo, porém, ele ressalta que é preciso realizar exames para entender qual será o melhor tratamento para cada doença e em cada indivíduo.
Igor afirma que, até o momento, não são todos os médicos que podem prescrever a substância. “O Conselho Federal de Medicina (CFM) delimita que só neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras podem prescrever o canabidiol para crianças e adolescentes com epilepsias refratárias (resistentes) aos tratamentos convencionais”, diz. Ele ainda informa que, como qualquer outro tipo de medicamento, a automedicação pode ser perigosa. “É bom ressaltar que a cannabis é uma substância da maconha, então ela é processada para chegar a um substrato de uso. E outro ponto é que não se pode indicar nenhum uso de medicamento por meio da automedicação. Principalmente de substâncias que não têm liberação oficial.”
Segurança
Presidente do Clube Social de Cannabis no DF, Fernando Santiago explica que o uso pessoal da cannabis, seja para fins recreativos ou medicinais, é crime no Brasil, de acordo com a Lei nº 11.343/2006. Porém, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza que pessoas com doenças específicas consigam importar medicamentos à base de canabidiol (CBD) ou de tetrahidrocanabinol (THC). “O problema é que a maioria dos pacientes que têm essa autorização não tem condições de arcar com os custos desses medicamento”, diz.
Por isso, essas pessoas entram com um pedido na Justiça Federal para que possam cultivar a cannabis, extrair o óleo e conseguir resultados parecidos com os dos medicamentos importados. “Enquanto não sai a decisão da Justiça, entra-se com um habeas corpus para que o paciente possa fazer o uso da maconha sem ser alvo de investigações ou preso pelo porte e uso da substância”, esclarece Fernando. Segundo ele, o cultivo é mais seguro do que tentar conseguir a cannabis por outros meios, ilegais.
Esse foi o argumento utilizado pelos advogados de Arthur*, Gabriel Dutra e Rodrigo Mesquita. Eles pediram o habeas corpus preventivo para que o jovem tenha o direito de realizar o plantio e uso da cannabis, mesmo sendo considerado ilícito pelo Código Penal. Agora, precisam aguardar a decisão definitiva do processo, o que pode levar anos, uma vez que o parecer do magistrado da 15ª Vara Federal do DF é liminar. “Como há precedentes que favorecem a decisão e laudos, médicos e técnicos, que mostram que o uso da cannabis melhorou a qualidade de vida do Arthur*, estamos bem otimistas em relação à decisão final do processo”, afirma Rodrigo.
Arthur ressalta que não só ele, mas também os pais, ficaram muito contentes com a liminar judicial. Segundo ele, a família sempre se mostrou muito preocupada em relação ao que o estudante tinha que fazer para conseguir a medicação, como colocar a própria vida em risco. “Como o acesso (à maconha) no Brasil é ilegal, traz muitas preocupações e muito estresse. Risco de violência, não só à vida, mas risco de violência policial. Nós estamos gratos e aliviados”, conclui Arthur.
* Arthur prefere não divulgar o sobrenome
Depressão
Depressão
O mal do século XX
A depressão é um dos transtornos mais comuns do século XX. De acordo com especialistas, pessoas que não recebem o tratamento adequado podem vir a chegar à consequência mais grave, o suicídio. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, 5,8% da população apresenta algum quadro depressivo — a média global é 4,4%. Ou seja, o país tem cerca de 12 milhões de pessoas diagnosticadas com depressão. O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente a todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, pelo número de telefone 188 e pelo site.
Canabinoides
A depressão é um dos transtornos mais comuns do século XX. De acordo com especialistas, pessoas que não recebem o tratamento adequado podem vir a chegar à consequência mais grave, o suicídio. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, 5,8% da população apresenta algum quadro depressivo — a média global é 4,4%. Ou seja, o país tem cerca de 12 milhões de pessoas diagnosticadas com depressão. O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente a todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, pelo número de telefone 188 e pelo site.
Canabinoides
No extrato da planta é possível encontrar mais de 140 canabinoides diferentes, conheça os principais:
CBD (Canabidiol)
Analgésico, anti-inflamatório, antioxidante, antináusea, antitumoral, bactericida, relaxante. muscular, anticonvulsivante.
THC (Tetrahidrocanabinol)
Alívio de dores, anti-inflamatório, antitumoral, estimulante de apetite, diminui a pressão intraocular
CBG (Canabigerol)
Anti-inflamatório, auxilia no crescimento ósseo, diminui a pressão intraocular, bactericida, inibe o crescimento de tumores.
CBC (Canabicromeno)
Estimula o crescimento de novos neurônios, tem efeitos antidepressivos, e resultados na diminuição de tumores.
*Fonte: Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança
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