Correio Braziliense
postado em 27/07/2020 04:16
Aconchegos aguardados
As emoções vividas por multidões no campo e na arquibancada do Mané talvez nunca se igualem às reunidas nos poucos corações que acompanharam um concerto especial na última sexta-feira. Paramentados e protegidos contra a covid-19, dois músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional preparam um duo de violoncelo para estender tapete vermelho aos homenageados: pacientes que venceram a doença e receberam alta após dias de internação no hospital de campanha instalado no estádio.
A missão, dolorosa e que chegou a parecer impossível, mereceu até um momento de descontração, com a trilha sonora da sequência estrelada por Tom Cruise. Mas, a emoção tomou conta mesmo quando os acordes de De volta pro aconchego começaram a ser tocados. Passar todo esse tempo afastado das pessoas mais queridas e numa situação de extrema fragilidade deve, mesmo, provocar uma sensação inexplicável. Aos poucos, cada um reencontrou o próprio aconchego, um sorriso sincero, um abraço.
A colega Roberta Pinheiro, que acompanhou o momento de superação, não conseguiu conter as lágrimas. A vulnerabilidade flagrante dos que foram acolhidos ali, pelo Sistema Único de Saúde, traz rostos e vidas para os números noticiados diariamente. São a face real dos nossos erros e acertos como sociedade.
Achei o meu aconchego há alguns anos. E, no mês em que comemoramos mais uma primavera juntos, nossa filha ensaia os primeiros passos e balbucia as primeiras palavras, sílabas repetidas que, às vezes, formam sons incompreensíveis, mas com intenção certeira. Quanta determinação pode caber numa criança de menos de um ano, não é mesmo? Mas, fico pensando que outras lições ela vai tirar ao crescer nesse mundo novo, ao se deparar tão cedo com o tal novo normal — expressão que de já calejada perdeu o direito de ganhar excepcionalidade e se aconchegar entre as aspas.
Percebo que ela deve aprender de maneira precoce o significado de uma palavra singular da língua portuguesa. Aquela que, segundo a canção de Dominguinhos, eternizada na voz e na parceria com Elba Ramalho, a gente carrega na mala, sempre pertinho. Saudade. Esse peso que sustentamos na pandemia para, no tempo certo, encontrar a paz nos nossos tantos aconchegos. Pode ser um colo, um café da manhã compartilhado, um jantar de confraternização, uma viagem internacional ou um show do artista favorito.
A alegria de regressar é mesmo a de mergulhar na felicidade sem fim.
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