Cidades

Curados da covid-19 no DF criam relação e agradecem profissionais da saúde

Brasilienses falam dos sentimentos de gratidão e dos vínculos formados com profissionais da saúde depois de se curarem da covid-19. Confira depoimentos emocionados depois de uma luta pela vida com a ajuda de médicos e enfermeiros

Correio Braziliense
postado em 02/08/2020 07:00

Brasilienses falam dos sentimentos de gratidão e dos vínculos formados com profissionais da saúde depois de se curarem da covid-19. Confira depoimentos emocionados depois de uma luta pela vida com a ajuda de médicos e enfermeirosEm tempos de pandemia, precisar ser internado em um hospital significa ficar isolado do resto do mundo, incluindo amigos e familiares. A angústia e solidão dos dias de luta contra a doença são amenizadas apenas pelos sorrisos e pela vibração positiva das equipes de saúde que confortam os pacientes. É deles que vem toda a esperança de cura e recuperação. Nessas circunstâncias, nascem ali, em meio às inseguranças, relações de afeto que tornam esses profissionais, sejam eles médicos, enfermeiros, psicólogos, ou tantos outros, amigos para toda a vida.

 

No Distrito Federal, dos mais de 107 mil infectados, 90.397 se recuperaram, o que corresponde a mais de 83,8%. Nas unidades de saúde, histórias de superação seguem emocionando quem acompanha de perto os casos mais graves. Enquanto isso, outras patologias graves seguem acometendo a população, e mostrando que existem heróis em todas as áreas da saúde em meio à pandemia.

 

O Correio conversou com pacientes e profissionais de saúde para falar sobre a gratidão promovida pela cura.

Dedicação de um médico

Em tempos de pandemia, procurar um hospital pode ser assustador quando o problema não está relacionado ao coronavírus. Mas o caso grave de Anny Beatriz Gomes, 7 anos, deixou a mãe dela, Carol Gomes, 29, sem escolha. Em maio, a menina teve infecção generalizada nos rins, e precisou ser internada às pressas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Santa Helena. Lá, chegou o diagnóstico: Síndrome de Ativação Macrofágica, uma doença rara, que atinge a medula.

Anny precisou ficar 20 dias intubada, e, após ter uma embolia pulmonar, passou por um procedimento de intervenção complicado. Coube ao médico Thallys Ramalho, chefe da UTI pediátrica, coordenar os esforços para salvar a criança. “No primeiro momento que conversei com ele, não gostei muito, porque ele foi muito sincero. Disse o que eu não queria ouvir: a situação dela era grave e eles fariam o possível, porque nunca desistem dos pacientes”, lembra Carol.

Ao longo dos dias, no entanto, ela viu a dedicação do médico e, rapidamente, mudou de opinião. “No dia do procedimento, ele chegou com os olhos marejados e a voz embargada porque ninguém acreditava que ela sobreviveria. Mas o médico ficou até o final e só foi embora quando viu que tinha dado tudo certo”, emociona-se a mãe. “Quando ela estava muito grave, ele trocava de plantão com os outros médicos para poder acompanhá-la. Sempre confiei muito nele, porque ele é surreal”, elogia.

Anny, Thallys e os profissionais que deram suporte para a recuperação: uma torcida até de jogadores do Flamengo

O carinho entre médico e paciente cresceu tanto que, no dia da alta, Thallys resolveu fazer uma surpresa. Sabendo que mãe e filha são flamenguistas fanáticas, acionou contatos e conseguiu que jogadores do time, entre eles, os zagueiros Juan e Rodrigo Caio, enviassem vídeos com votos de melhoras para Anny. “Foi muito emocionante, e eu fiquei completamente sem palavras. Sou muito grata ao doutor por ele ter entrado nessa luta para vencer. Ele salvou não uma, mas duas vidas, porque eu nada seria se ela tivesse partido”, afirma Carol.

Thallys emociona-se com o carinho dado pelas crianças e pelos pais. “Eu sempre trato meus pacientes como se fossem filhos meus, e a equipe inteira segue essa linha.” Depois da alta, não é raro ele manter contato. “Quando você se coloca no lugar do pai e da mãe, muda a cabeça antes de entrar na UTI. O relacionamento entre médico e paciente é fundamental para um desfecho favorável.” 

A consequência  é o amor intenso das crianças, que chegam a pedir para não ir embora. “Lembro-me sempre da minha avó. Antes de morrer, ela me pediu para ser bom para meus pacientes, e isso me marcou. Ninguém é infalível. A gente pode errar, mas, se erro, é fazendo o que faria por um filho ou sobrinho meu”, diz o médico.

Mais do que porto seguro
A primeira paciente com diagnóstico positivo para coronavírus no Distrito Federal é também uma das que demandou mais tempo de internação. A advogada Claudia Maria Patrício Costa da Silva, 52 anos, esteve em hospitais por mais de 100 dias. Desses, ficou numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por 85 dias, sendo 60 de sedação. Ela contraiu o vírus durante viagem pelo Reino Unido e, ao retornar, em março, manifestava os primeiros sintomas, semelhantes ao de uma sinusite. A primeira internação aconteceu no Hospital Daher, seguida de transferência para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

No processo, foi intubada e traqueostomizada, esforços usados para mantê-la viva. Durante toda a fase, ela era acompanhada pelo esposo, o empresário André Luís Sousa, 49, segundo caso de covid-19 na capital. No Hran, André conheceu o médico intensivista do Hospital Brasília Rodrigo Biondi, por quem desenvolveu grande admiração. “Surgiu um vínculo e não restou dúvidas de que queríamos ele para acompanhá-la. A equipe médica do Hran empenhou-se demais e nos receberam muito bem, mas estavam todos muito ansiosos por ser algo muito novo. Você está lidando com o desconhecido”, lembra.

A família aguardou que Claudia apresentasse alguma melhora e, em 22 de abril, conseguiu transferi-la para o Hospital Brasília, ainda em ventilação mecânica. Depois de cerca de 10 dias, ela, enfim, acordou. “A primeira coisa que fiz foi procurar meu esposo. Ele estava sentado em uma poltrona. Eu não conseguia chamá-lo, mas, mesmo assim, foi o momento mais feliz da minha vida. Eu renasci”, comemora a advogada. No período até a alta, cresceu a amizade com o médico. “Não posso acreditar que, em Brasília, exista alguém desse peso. A competência dele, a gente sabe só de olhar. Ele é silencioso, mas um doce de pessoa”, elogia Claudia.

Rodrigo agora é parte da família, e o contato permanece diariamente. “A gente se envolve emocionalmente, e vira uma torcida para que tudo dê certo”, explica o médico. “É gratificante ver o reconhecimento da família, mas não é o que nos move. Tudo o que queremos é ver o paciente recebendo a alta, bem”, afirma. Para o casal, resta trabalhar na recuperação completa de Claudia, que ainda tem dificuldades motoras. “Sabemos que muitos ainda enfrentarão essa doença, porque não é algo sob controle. Mas, amor e união contribuirão para a cura”, acredita André.

Silvia Furtado:
Braço amigo na hora difícil
Contrair covid-19 foi um momento desesperador para o servidor público Filipe Fernandes, 34 anos. Obeso, ele sabia que fazia parte do grupo de risco da doença e poderia ter uma evolução grave. No fim de junho, precisou ser internado na UTI do Hospital Santa Lúcia, com acometimento pulmonar entre 25% e 50%. “Foram três dias comm viés de melhora, mas, no quarto dia, senti muita falta de ar e passei a demandar muito mais oxigênio”, lembra. “Em desespero, minha maior preocupação era de ser intubado, eu tinha muito medo. Os médicos vinham me tranquilizar, pedir para me esforçar mais na fisioterapia, descansar e me alimentar bem. Foi quando melhorei”, lembra Filipe.

Nos 10 dias de internação, encontrou um amigo onde menos esperava. A atenção dada pelo técnico em enfermagem José Carlos Rodrigues o marcou de uma forma especial. “Nunca havia sido internado, nem passado por intervenção cirúrgica. Na primeira vez que isso aconteceu foi assim, já entrei na UTI quase chorando. Foi o Zé que me recebeu. Todos os dias ele perguntava como eu estava, e dizia que orava muito por mim”, emociona-se. “A equipe médica foi decisiva para me deixar tranquilo.”

Filipe descobriu que José tem uma filha, de 12 anos, que, todos os dias, pede ao pai um relatório completo dos pacientes. Por esse motivo, no dia da alta, fez questão de enviar ele mesmo o boletim médico para a menina. “Mandei um áudio dizendo que ia para casa e ela me respondeu com uma alegria genuína, que quase não encontrava palavras. Só conseguia rir e dizer que estava muito contente”, lembra. Filipe também fez questão de mandar sanduíches para toda a equipe da UTI. “A gente sai diferente do hospital e passa a valorizar coisas simples, como tomar banho sozinho. O sentimento de gratidão pelos profissionais de saúde é imenso.”

José Carlos destaca que a atenção aos pacientes é fundamental para a boa recuperação. “Quem trabalha na área da saúde tem que entender que ali estão pessoas doentes, e que precisam de ajuda, especialmente na UTI”, pondera. “A gente acaba sendo a companhia deles, porque não podem ter contato com quem está fora. Viramos amigos para compartilhar problemas e ser o ouvido na hora que querem desabafar.”

Reconhecimento de uma luta
A idade avançada não impediu que a cearense Maria Neuza Pinheiro, 96 anos, também vencesse a covid-19. Em 12 de julho, ela começou a passar mal, até que desmaiou em casa. A filha, Maria Aurilene Pinheiro, 65, correu com a mãe para o hospital Santa Luzia, onde exames indicaram resultado positivo para covid-19. “Fiquei desesperada”, lembra a aposentada.

A idosa foi levada para a, onde ficou  UTI por cerca de 10 dias. Os cuidados da equipe médica no período inspiraram a família a presentear o hospital. “Minha filha e minha sobrinha resolveram homenagear a equipe médica e encomendaram docinhos e um cartão de agradecimento. Eles ficaram felizes e nós também. Minha mãe foi muito bem-tratada”, elogia Aurilene. “Mesmo hoje, continuam ligando todo dia para ver como ela está.”

Um dos médicos que acompanhou Neuza, o intensivista Emmanuel Martins, explica que a maioria dos pacientes tem se recuperado bem. “A gente institui o tratamento sem esperar nada em troca. Tentamos fazer com que essa estadia, tão difícil, em UTI, seja um pouco mais leve e a família sempre fica agradecida”, avalia. “É complicado amenizar a solidão, porque muitos estão em estado grave, e apartados das famílias. Mas, eu visito todos e tento explicar e sanar as dúvidas.”

Ele reforça a importância do isolamento social. “É muito difícil lidar com uma doença de devastação tamanha como essa. Quem pode, fica em casa, e quem não pode, proteja-se. A máscara salva e ainda falta muito para tudo isso passar”, afirma Emmanuel. “Em 15 anos de formado, nunca vivenciei um momento como estse em toda a minha carreira.”

''Minha nova filha''
A trajetória percorrida pela autônoma Maria Elisângela da Costa, 46 anos, ao contrair covid-19 incluiu angústia, solidão, e incertezas, mas, ao final, um presente além da cura: do elo de carinho formado com a psicóloga do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Silvia Furtado, nasceu o sentimento de família. “Sinto que ganhei ali uma filha”, emociona-se a moradora de Samambaia.

No início de julho, ela começou a ter os primeiros sintomas: dor de cabeça, febre e perda de paladar e olfato. Após muita insistência, foi convencida pela família a procurar atendimento no Hran. “Eu tinha pavor de médico. Para mim, era o bicho-papão”. Hipertensa, obesa e diabética, ela viu o quadro piorando gradativamente, até que precisou ser intubada. Inconsciente, foi transferida para o HUB, com 80% do pulmão comprometido.

Depois de cerca de 15 dias, ela, enfim, acordou. O primeiro som que ouviu foi um áudio enviado pela família, que Silvia tocava ao lado da cama. “Foi uma ideia minha, que temos aplicado com todos os pacientes, mesmo enquanto estão desacordados. Eu colocava para ela ouvir todo dia, mas as reações eram mínimas”, lembra a psicóloga. “Até que um dia, quando já estavam diminuindo a sedação, ela acordou enquanto tocava uma gravação de voz da filha. Foi muito emocionante.”



Durante a recuperação, até o momento da alta, o apoio de Silvia foi fundamental. “O pessoal do HUB todo foi maravilhoso, mas ela me marcou, com o jeitinho dela, sempre sentando para conversar e me explicar o que estava acontecendo. Ela me acordou para a vida”, destaca Maria Elisângela. “Essa doença não é comum. Maltrata demais. Estou tão feliz de estar de volta, que só quero fazer a diferença na vida da minha família, e agradecer todos os dias pela equipe médica que me cuidou. Sem eles eu não estaria aqui.”

Para Silvia, o reconhecimento dela e de tantos outros pacientes é gratificante. “Estou na profissão certa. Sempre tento diminuir a distância entre família e eles, mesmo estando longe, com videochamadas, por exemplo. Para nós, é algo tão simples, mas para eles é grandioso”, pondera. Maria Elisângela está em casa desde a última segunda-feira, e aguarda o fim do isolamento domiciliar necessário, para rever o primeiro rosto que encontrou ao despertar para a segunda chance de viver.

Covid-19

107.922 infectados

90.397 curados 83,8% do total

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