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Crônica da Cidade

O curioso caso da naja

O noticiário da cidade tem ficado monotemático no último mês. Além das notícias sobre a covid-19 — cobertura difícil e necessária, que, vez em quando, traz também informações reconfortantes, como a da relação de afeto entre pacientes e profissionais de saúde da edição de domingo —, os animais ganharam as páginas do jornal e as da internet.

As estrelas, nesse caso, não são os nativos do Cerrado. O lobo-guará até ocupou a cena por alguns momentos, já que vai estrelar a cédula de R$ 200, anunciada pelo Banco Central. Mas outros ganharam ainda mais destaque. Em uma trama digna de folhetim, que desvelou possível esquema internacional de tráfico de animais exóticos — cobras, tubarões, lagartos, aves e outros bichos — foram apreendidos por diferentes autoridades policiais e ambientais.

Tudo começou com uma naja. Sim, a cobra, nativa de regiões da África e da Ásia, morava — e ainda mora — no Planalto Central, onde picou o dono, que a criava clandestinamente. Antes que ele se recuperasse da picada, saísse do coma e tivesse alta do hospital para prestar esclarecimentos à polícia, no entanto, outras 16 serpentes e até tubarões foram encontrados em diferentes endereços do Distrito Federal. Nesse meio tempo, um amigo do jovem picado chegou a esconder a pobre naja, para depois soltá-la próximo a um shopping, em negociação confusa, que fez policiais vasculharem a cidade de um lado a outro atrás da serpente venenosa. Encontrada, foi levada ao novo lar, o Zoológico de Brasília, onde espera destinação final.

Dada a repercussão do caso, que ganhou projeção nacional e mereceu divulgação até em horário nobre na tevê, um outro jovem resolveu entregar ao Ibama, voluntariamente, animal que criava ilegalmente em casa. E era nada mais nada menos que a víbora-verde-de-voguel. Também originária da Ásia, a serpente não tem antiofídico no Brasil. Ou seja, se um incidente como o da picada do estudante — agora preso suspeito de envolvimento em esquema de tráfico internacional — ocorresse, provavelmente a pessoa atacada não conseguiria sobreviver.

O tema é sério. E exige a atenção que ambientalistas alertam há tempos, sob o risco de comprometer o ecossistema local, gerando desequilíbrio ambiental. E, talvez pela possibilidade de fugir um tanto dos temas da pandemia, o caso da naja viralizou nas redes sociais. Até a nota de R$ 200 ganhou uma versão bem-humorada, estampada com a cobra. Ela virou uma revolucionária: libertou-se de seu algoz e contribuiu para a soltura de outras tantas “companheiras”. É possível até que ganhe uma “irmã”, animal da mesma espécie encontrado há alguns anos em Camboriú (SC).

Odeio cobras. Não aguento ver fotos, muito menos vídeos delas rastejando. Tive, no entanto, que superar a fobia para acompanhar a trama digna de novela das 21h. Mas toda a aparente coragem cobrou um preço. Outro dia, as tais serpentes tomaram conta dos meus sonhos. A estrela do pesadelo quem era? Justo a mais venenosa, a víbora. O verde vivo era a cor do terror. Desesperada, eu gritava a quem pudesse ouvir e vir ao meu resgate: “Não tem antiofídico no Brasil!”. Acordada, respirei aliviada. O quarto estava livre das serpentes.