Correio Braziliense
postado em 05/08/2020 04:06
“Quando o meu pai piorou e precisou ser intubado, achamos que ele não fosse resistir.” É o que conta Anne Shirlly, 48 anos. A servidora pública acompanhou — a distância — o quadro de Matias Gomes de Sousa, 79, paciente diagnosticado com covid-19 que precisou ser internado em uma unidade de terapia intensiva (UTI). A preocupação da família aumentou com a notícia sobre a necessidade de intubá-lo. “A gente fica na insegurança, sem saber o que fazer, ainda mais porque não podemos entrar no hospital. Então, não sabíamos se ele voltaria”, lembra Anne.
Mas Matias resistiu, venceu a covid-19, celebrou as bodas de ouro com a mulher no hospital e, depois, foi liberado para continuar o tratamento em casa. A recuperação é lenta por causa do tratamento complexo. “Ele perdeu muita massa magra, tem dificuldade de ficar em pé e acaba ficando muito cansado, mas está sendo acompanhado com fisioterapia. Talvez a situação fosse outra se não tivesse chegado à necessidade da intubação”, avalia.
O medo dos filhos de Matias é comum para muitas famílias com parentes que chegam ao ponto de intubar por causa da covid-19. Nesses casos, o paciente passa por um procedimento invasivo, demanda mais atenção, equipamentos e medicações, e fica inconsciente, enquanto os médicos tentam reverter o quadro. “Esse é um dos estágios mais graves da evolução do coronavírus, porque é uma doença que ataca vários órgãos, mas, principalmente, os pulmões, o que leva a uma deterioração pulmonar em graus variados. Desde falta de ar, quando a pessoa cansa mais fácil, até a insuficiência respiratória, quando ela não consegue levar oxigênio suficiente para o corpo e precisa desse procedimento”, explica Rodrigo Aires, médico anestesiologista do Hospital Santa Lúcia.
O especialista detalha que a intubação é realizada com a colocação de um tubo de plástico pela boca até a entrada da traqueia, levando ar para os pulmões. “Então, o aparelho leva oxigênio de maneiras que o paciente não consegue fazer regularmente. Mas é complexo, pois demanda uma estrutura que tenha ventilador mecânico, que faz a troca dos gases, o aparelho de monitorização, que dá as informações cardíacas, de pressão e outras, além de bombas de infusão, que são pequenos aparelhos que administram a medicação em doses específicas, como um remédio para dormir com 5ml por hora, por exemplo”, detalha Rodrigo.
Dura alternativa
Esse é um processo que só é utilizado nos casos em que não há melhores alternativas para tratar os problemas pulmonares em decorrência do novo coronavírus, pois é invasivo para os pacientes e requer boa infraestrutura das unidades de saúde. Atualmente, a taxa de ocupação de leitos de UTI da covid-19 com suporte de ventilação mecânica está em 72,6%. Também são demandados profissionais especializados nesses casos, como os fisioterapeutas responsáveis pela movimentação do corpo enquanto o paciente está inconsciente.
Marcos Antônio Lima, 49, viu de perto o trabalho dos profissionais da saúde nesses casos, enquanto esteve internado em estado grave. Por pouco, não foi mais um que passou pela complexa situação. “Eram 10 pessoas intubadas na ala, só eu acordado ali, olhando tudo. Era triste pensar que muita gente lá nunca mais seria vista pelo familiar, que sairia dali direto para um saco e seria colocado em um caixão lacrado”, conta o professor. Morador de Ceilândia, ele hoje está em casa, recuperado do vírus e sentindo-se bem. “Até tentaram me intubar, mas a medicação não pegou, eu passei muito mal e cheguei a vomitar. Então, não passei por esse procedimento. Para ser sincero, era algo que eu não queria de jeito nenhum, porque tinha impressão de que, se fosse intubado, não sairia dessa”, diz.
Letalidade
Especialistas admitem que é mais complicado obter melhora em um paciente de UTI intubado do que uma pessoa na mesma unidade de terapia não submetida a esse tratamento. “Quem é intubado tem entre 30% a 80% de letalidade, que é um grau elevado de mortes, mas cada um vai evoluindo no dia a dia, e a evolução vai se manifestando individualmente em cada caso”, explica David Urbaez, diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal e infectologista do Laboratório Exame.
“É um procedimento invasivo, em que, além da parte básica, do tubo, da conexão, do respirador, a pessoa precisa ser induzida a uma sedação profunda, porque, conscientemente, não se tolera isso. Também há necessidade de relaxamento muscular com bloqueadores, que paralisam o músculo para que ele não coloque resistência a isso. É uma mistura de drogas para o paciente manter-se sedado e relaxado, com doses muito precisas. Então, ninguém quer que o paciente chegue a ser intubado, é um dos últimos pontos da evolução da gravidade”, detalha David.
O Correio entrou em contato com a Secretaria de Saúde, às 11h, para detalhar a quantidade de pessoas que foram intubadas desde o início da pandemia. No início da noite, o órgão informou que não conseguiria responder, ontem, ao questionamento.
Oxigenação
O procedimento de intubar um paciente é necessário em casos de complicações graves pelo novo coronavírus ou em outros quadros clínicos em que há insuficiência respiratória, ou seja, em que a oxigenação natural não se mostra suficiente e é preciso utilizar um suporte mecânico para isso. Na técnica, o paciente recebe medicações para manter-se inconsciente e imóvel, enquanto os médicos colocam um tubo de plástico pela boca até a entrada da traqueia, levando ar para os pulmões.
Vacinação no HUB começa hoje
A Universidade de Brasília (UnB) e o Hospital Universitário de Brasília (HUB) confirmaram que o estudo para testar a eficácia da imunização contra o novo coronavírus começa hoje, quando serão vacinados os cinco primeiros participantes, todos profissionais de saúda que ainda não tiveram a doença e atuam no atendimento a pacientes com a covid-19. Desenvolvida pela farmacêutica Sinovac Biotech, a vacina é inativada e aplicada em duas doses, com intervalo de 14 dias entre elas. Os resultados apresentados na fase 2 de desenvolvimento foram considerados promissores e demonstraram a produção de anticorpos neutralizantes em 90% dos participantes que receberam a imunização. O HUB é um dos 12 centros no Brasil que participam da fase 3 do ensaio clínico nacional, coordenado pelo Instituto Butantan, de São Paulo, e autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O grupo que desenvolverá a pesquisa no Hospital Universitário conta com uma equipe multiprofissional de 25 pessoas especificamente dedicadas ao projeto, com a responsabilidade de incluir e acompanhar em torno de 850 voluntários. O HUB preparou a infraestrutura para acolher adequadamente os participantes, e o projeto será desenvolvido seguindo rigorosamente as normas nacionais e internacionais de boas práticas em pesquisa clínica.
Palavra da especialista
“Ainda não há tratamento que seja eficaz”
“Qualquer extremo é perigoso tanto para quem vive o pânico quanto para quem banaliza os efeitos da pandemia da covid-19. O certo é tratar com respeito a realidade. Tem gente que está cansada, porque não está sendo fácil viver nesses cinco meses, mas têm muitos que banalizam as recomendações médicas por falta de consciência. Quem não segue o que os especialistas orientam, provavelmente não lidou de perto com a doença, como os profissionais da saúde que estão trabalhando diariamente com os casos. Alguns pegam exemplos de uma pessoa ou outra que desdenhou do vírus e não teve problemas, já pegando isso como se fosse a verdade. Mas e os outros? A pessoa pode não ter tido complicações, mas acabou levando o vírus para alguém. Dizemos que essa é a doença que nos faz lembrar do altruísmo e da empatia, porque a nossa atitude reflete na vida de outra pessoa. É difícil pensar nos outros, pensamos muito em nós mesmos. Precisamos ter exemplos dos gestores. Qualquer tipo de gestor, o governamental, aquele da empresa ou do setor. Precisamos saber que pode ser que a doença ainda não chegou próximo a alguém, mas pode chegar. Muitos que banalizam a pandemia acham que os medicamentos que vêm se propagando dão certo. Sem julgar o mérito de quem propaga, podemos afirmar que ainda hoje não há tratamento que seja eficaz contra a covid-19. Nem vacina, nem medicamento. A única ferramenta de combate que temos é comportamental.”
» Ana Helena Germoglio, infectologista do Hospital de Águas Claras
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