Cidades

Crônica da Cidade

Aventura e rotina

Correio Braziliense
postado em 06/08/2020 04:06
Nos tempos de adolescente, eu tinha horror à rotina. Para mim, era sinônimo de burocracia, repetição, chatice e tédio. Fugia dela como o diabo da cruz. Quem relativizou e retemperou a minha opinião extremista foi o mestre Gilberto Freyre. Para ele, a aventura e a rotina, temas de um dos seus livros, não devem ser colocadas como termos opostos e inconciliáveis.
Precisamos de rotina para sermos produtivos; e de aventura para descortinarmos horizontes. A rotina propicia o aprofundamento; e a aventura, a abertura de novas possibilidades. Sempre me espanto com o fato de sair jornal todos os dias por mais que saiba em que condições ele é produzido. É o milagre da rotina jornalística.

Rubem Braga dizia que, se não fosse a obrigação de escrever todos os dias, sob a pressão do relógio em dramática contagem regressiva, ele não escreveria nada. Constituiu uma obra, despretensiosamente e quase à revelia, na cozinha dos jornais. O tema da aventura e da rotina me veio à cabeça com o isolamento social. Bem sei que nem todos podem se dar ao luxo de permanecer recolhidos nas suas casas em condições minimamente dignas.

Mas, para quem pode, é uma oportunidade de fazer uma profunda imersão na leitura. De minha parte, liguei a minha internet espiritual em Machado de Assis, Eça de Queiroz, Alexandre Dumas, Flaubert, entre outros.

A pandemia impõe terríveis restrições, mas, da mesma maneira que em uma guerra, a gente tem de aprender a melhor maneira de sobreviver e viver a nossa vida. Talvez seja equivocado pensar assim: “depois da pandemia, volto a viver”. A vida é, urgentemente, agora. E, neste sentido, os livros nos ajudam muito na travessia para manter a sanidade. Antes de tudo, é preciso evitar enlouquecer.

Logo depois que Juçara (a minha companheira) aprendeu a ler, quanto tinha sete anos, ela ficou encantada com os livros. Praticamente, morava dentro deles. Leu toda a coleção do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, Julio Verne, os contos de fadas de Grimm, As mil e uma noites e os contos de fadas russos. Quando pegava um livro, a casa podia desabar, pois ela permaneceria com os olhos grudados nas páginas.

As amigas achavam estranho e espicaçavam: “Vamos brincar, você não vive, vegeta”. Ela gostava de brincar, mas, naquele momento, preferia os livros, e pensava: “É engraçado. Leio Monteiro Lobato e viajo pela Grécia, pela Itália, pela França, pela Sibéria, pelo fundo do mar e por outros planetas. E as pessoas vem me dizer que vegeto”. Os livros são tapetes voadores. Quem lê não sabe o que é tédio. De fato, em tempos de pandemia, a leitura concilia aventura e rotina.

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