O paleontólogo Jonathan Bloch, da Universidade da Flórida, tinha em mãos um crânio de um primata que viveu 54 milhões de anos atrás. Para entender mais sobre o animal, ele submeteu a ossada a um exame de CT scan (tomografia computadorizada de última geração) e obteve uma imagem tridimensional do cérebro do Ignacius graybullianus. Em entrevista ao Correio, ele conta como o fóssil ajudou a entender a evolução do cérebro dos primatas.
Como o senhor chegou à conclusão de que os antigos primatas contavam mais com o olfato do que com a visão?
O cérebro deste primata primitivo tem grandes lobos olfativos, associados ao olfato. Também tinham lobo temporal limitado, indicando uma menor ênfase na visão. Também descobrimos que eles tinham um cérebro pequeno, em comparação aos de outros primatas vivos. As ideias anteriores sobre a evolução do cérebro dos primatas têm sugerido que viver em árvores ou comer frutas pode ter sido a razão para cérebros maiores de primatas vivos, em comparação aos de outros animais. Por isso, esses primatas primitivos faziam ambas as coisas, mas ainda assim tinham um cérebro relativamente pequeno. Nós sugerimos que o cérebro maior evoluiu por alguma razão mais tarde na evolução de nossos ancestrais, possivelmente associado a especializações visuais. Essa mudança para um cérebro maior ainda assim não foi dramática. O fóssil mostra que a evolução do cérebro excepcionalmente grande dos primatas ocorreu durante dezenas de milhões de anos.
Onde o crânio foi encontrado e como o Ignacius graybullianus estava ligado ao ser humano na árvore evolutiva?
O crânio foi descoberto em rochas datadas de 54 milhões de anos na Depressão Bighorn, no estado de Wyoming. O Ignacius graybullianus é um primata plesiadapiforme. A predominância de plesiadapiformes na América do Norte, Europa e Ásia representa os primeiros 10 milhões de anos da evolução primata após a extinção dos dinossauros, 65 milhões de anos atrás. Nós acreditamos que os ancestrais dos lêmures e dos tarsius (primata do sul da Ásia) surgiram de um plesiadapiforme. Os macacos, gorilas e seres humanos vieram mais tarde. Podemos pensar o Ignacius como um primo distante da linhagem ancestral que resultou nos humanos.
Que tipos de testes sua equipe realizou para estabelecer um molde virtual do cérebro do primata primitivo?
Nós usamos um CT scanner de alta resolução para criar uma imagem tridimensional do cérebro. Cerca de 1.200 chapas bidimensionais de raio-X foram feitas do espécime, das partes posterior à frontal do crânio. Usando o computador, isolamos a cavidade cerebral do restante da imagem para cada uma destas chapas. Elas foram então empilhadas em um programa de computador e "costuradas" para formarem uma imagem 3D do cérebro. A imagem virtual pôde ser estudada no computador. Mas também a imprimimos em uma impressora 3D para criar um modelo físico que pudesse ser analisado e enviado a outros cientistas.
Que impacto essa descoberta pode ter na compreensão dos ancestrais dos humanos?
Os seres humanos são únicos entre primatas, por causa do cérebro muito grande. Os primatas, como um todo, têm um cérebro relativamente grande em relação aos de outros animais. O que temos encontrado é que no início, nossos ancestrais não eram tão especiais. Isso ocorreu apenas durante o curso de dezenas de milhões de anos da evolução primata. Nosso estudo mostra que, com a descoberta de novos fósseis excepcionalmente preservados e o uso da tecnologia CT scan, podemos resolver questões importantes sobre a evolução do cérebro primata.
Com base nesse estudo, o que é possível aferir sobre a evolução do cérebro primata?
Esses primatas pré-históricos vivem em árvores, tinham uma vegetariana e dependiam fortemente do olfato. Em contraste, os humanos são bípedes, não vivem em árvores e têm uma visão muito especializada. Está claro que esses ancestrais são bem diferentes dos humanos. De qualquer modo, essas diferenças começam a obscurecer ao traçarmos a evolução dos primatas, que se espalharam pelos continentes nos últimos 65 milhões de anos. As diferenças entre os primatas primitivos e os primeiros "primatas modernos" são muito mais sutis, mostrando uma aquisição gradual de características que os distinguiam dos macacos, gorilas e humanos.