Ciência e Saúde

Pesquisa da USP mostra que 20% das gestantes apresentam quadros de depressão e ansiedade

Paloma Oliveto
postado em 08/07/2009 08:42
Geralmente associada à felicidade, a gravidez é um período de sofrimento para uma em cada cinco gestantes brasileiras. Estudo da Universidade de São Paulo (USP) publicado no jornal científico internacional Archives of Women's Mental Health mostra que 20% das mulheres entre o quinto e o sétimo mês de gestação apresentam sintomas de depressão e ansiedade. Foram analisadas 831 pacientes atendidas pelas unidades básicas de saúde de São Paulo. "Dados da literatura médica apontam uma prevalência, em todo o mundo, de cerca de 15% a 20% das gestantes. No Brasil, porém, existem poucos trabalhos. A preocupação maior tem sido com o pós-parto", diz o ginecologista Alexandre Faisal, um dos autores da pesquisa. "Mas as evidências são de que essas mulheres que têm depressão pós-parto já estavam com o problema durante a gestação", acrescenta. O problema é que, de um modo geral, segundo o médico, os especialistas que as acompanham têm dificuldade de fazer o diagnóstico. "Ou elas não ficam à vontade para dizer que estão deprimidas ou os médicos não têm formação para diagnosticá-las". Na rede pública, conforme avaliou a pesquisa, a complicação é maior, já que os médicos geralmente trabalham sobrecarregados e não têm tempo de avaliar as condições psicológicas das pacientes. O estudo da USP concentrou-se na população de baixa renda. Segundo Faisal, os riscos de uma gestante apresentar sintomas do problema são maiores quando a mulher enfrenta dificuldades socioeconômicas, como desemprego, moradia inadequada e uma quantidade grande de pessoas dividindo a mesma casa. "Quem tem histórico de doenças psiquiátricas anteriores também corre mais risco", diz o ginecologista. Outra constatação da pesquisa é que, na primeira gravidez, os riscos dobram quando a gestante tem entre 13 e 16 anos. Quando estava grávida de sua filha de 3 anos, a empregada doméstica Luciana*, 28, ficou deprimida. Ela nunca havia desenvolvido o problema e precisou da ajuda da patroa para identificá-lo. "Lá pelo quarto mês, comecei a me sentir muito triste, chorava pelos cantos sem motivo, não conseguia dormir direito", conta. "Achei que era normal, porque todo mundo fala que mulher grávida fica mais sensível". Porém, as alterações de humor chamaram a atenção da patroa de Luciana. "Ela conversou comigo e foi muito bom, porque ninguém da minha família se importava", relata a moradora de Pedregal, cidade no entorno do Distrito Federal. Para piorar a situação, o companheiro da jovem bebia em excesso e ameaçava abandoná-la. "Ele também dizia que o bebê não era dele, só para me machucar", lembra. A doméstica, que achava que depressão era "coisa de rico", foi estimulada pela patroa a procurar ajuda. Um psiquiatra conhecido da dona da casa aceitou medicá-la e a conduziu para psicoterapia. Um mês depois, ela já se sentia melhor. "Quando ganhei a Márcia, meu ex já tinha ido embora, mas não sofri. E o parto foi bastante tranquilo. Sou abençoada por ter tido ajuda. Muitas mulheres pobres sofrem sozinhas porque não sabem para onde correr", conta Luciana. De fato, a maioria das mulheres de baixa renda não tem a mesma sorte. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) do Ministério da Saúde cobrem somente 55% do país, sendo que em 10 estados o atendimento é considerado crítico. A situação do DF é a segunda pior do país, com apenas 0,22 unidade para cada grupo de 100 mil habitantes - o ideal seria um centro para essa quantidade de pessoas. Sem tratamento, não só a gestante sofre. O bebê também é vítima. "A literatura médica mostra que maior é o risco de o parto ser prematuro e a criança apresentar baixo peso ao nascer, dois fatores associados à mortalidade infantil", destaca Faisal. De acordo com ele, também há impactos emocionais para a criança, que pode desenvolver distúrbios como o déficit de atenção. Nome fictício a pedido da entrevistada Psicoterapia é recomendada O estudo conduzido pelo ginecologista Alexandre Faisal não acabou com a constatação de que 20% das gestantes sofrem de depressão. Agora, ele pesquisa as melhores formas de intervenção sobre a doença. "Muitas mulheres não aceitam antidepressivos, porque, apesar de deprimidas, elas se preocupam com a saúde do feto", diz. "A outra opção para a mulher é oferecer algum tipo de psicoterapia". A terapeuta Maraci Sant%u2019Ana defende que, em casos graves, a terapia seja associada ao remédio, com acompanhamento médico. "Muitas pessoas acham que depressão é frescura, falta de força de vontade ou fraqueza. Mas é um processo grave que pode se acentuar na gravidez, um período que já é dramático para qualquer mulher", explica. Segundo ela, pela experiência clínica, é possível dizer que há três situações mais comuns. A primeira acontece quando a mulher nunca teve a doença e a desenvolve na gravidez. O segundo caso ocorre quando a pessoa já sofria de depressão, ainda sem saber, e tem o quadro agravado na gestação. "E também existem aquelas que até melhoram, principalmente quando o bebê foi planejado e esperado", diz. Além disso, ela recomenda a psicoterapia. "É importantíssima para combater a insegurança e o estresse". Já o psiquiatra Marco Antônio Brasil, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Psiquiatria (SBP) e atual consultor do órgão, afirma que a melhor opção para pacientes que apresentam os quadros mais graves (psicóticas), é a eletroconvulsoterapia (ECT), conhecida no passado como eletrochoque. "Os fármacos, principalmente no primeiro trimestre de gravidez, podem atingir o feto. Já a ECT não apresenta riscos porque não afeta a musculatura do útero", diz. Ele lembra que ainda há preconceito com esse tipo de intervenção, abolido da rede pública há duas décadas. "Essa política foi um erro. No passado, houve abusos. Hoje, é feita no ambiente cirúrgico, sob anestesia, com segurança", garante. O médico concorda, porém, que o recurso é para poucos. "Ao abolir a ECT da rede pública, o Ministério da Saúde criou uma distorção. Só os ricos podem fazer nos consultórios particulares", reclama. Segundo ele, tanto a eletroconvulsoterapia quanto os remédios só devem ser ministrados quando há crises graves. "Nos quadros leves e moderados, a melhor indicação é a psicoterapia, que apresenta bons resultados", diz.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação