Ciência e Saúde

Programa espacial brasileiro sofre com orçamento pequeno

Mesmo assim já desenvolveu produtos que ajudam na medicina e na indústria brasileira e internacional

Paloma Oliveto
postado em 23/07/2009 08:00
Pouca gente sabe, mas o Brasil também tem seu programa espacial. E pode se orgulhar de ser um dos únicos sete países do mundo que possuem, simultaneamente, áreas de lançamento, foguetes e satélites. Embora, de acordo com o astrofísico Thyrso Villela, diretor de Satélites, Aplicações e Desenvolvimento da Agência Espacial Brasileira (AEB), a vocação nacional esteja ainda longe de viagens para a Lua e Marte, os benefícios do investimento na área podem ser sentidos no dia a dia.

É graças ao desenvolvimento da resina PBHL, por exemplo, usada nos veículos lançadores, que a indústria de calçados consegue fabricar sapatos mais resistentes. Também, das pesquisas espaciais brasileiras, surgiu o aço 300M, utilizado em trens de pousos de aviões comerciais e importado pela norte-americana Boeing. Na área da medicina, o desenvolvimento de satélites resultou em um equipamento, o anel ilizarov, que trata fraturas expostas. Mesmo o pãozinho do café da manhã tem influência do nosso programa espacial: os experimentos de microgravidade resultaram num equipamento desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que assa a massa de forma homogênea e com menos custos.

Mas poderíamos estar bem mais adiante. Afinal, o Brasil teve D. Pedro II, o imperador visionário, encantado pela tecnologia, e o inventor Santos Dummont, um dos pais da aviação. Com a expansão universitária, na década de 1960, uma ampla rede de pesquisas disseminou-se no Brasil. ;O país cresceu denotadamente a partir da industrialização. Depois, em 1980, tivemos a década perdida. Nos anos 90, o Brasil patina e começa a reencontrar um princípio da estabilidade econômica, depois de oito planos monetários em 10 anos. Mas qualquer instituição séria, minimamente dotada de planejamento, não resiste a políticas fiscais completamente loucas, nem à falta de uma política industrial determinada e de priorização;, diz o economista Carlos Ganem, presidente da AEB.

;Trinta anos atrás, o Brasil tinha um dos melhores órgãos formadores de mão de obra de engenharia aeronáutica do mundo, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Depois de projetarmos portos, aeroportos, um sistema extraordinariamente caro de telefonia fixa, além da televisão, que é uma das melhores do mundo, perdemos uma incrível capacidade de inovação;, lamenta Ganem. Para ele, se sobravam ideias, faltava ao país o espírito empreendedor.

Aperto no programa
Mesmo assim, e apesar do orçamento apertado, de apenas R$ 290 milhões, o Brasil desenvolveu satélites e foguetes ; um deles em parceria com a China. O programa, agora, está em fase final para o lançamento do foguete ucraniano Cyclone-4, que pode levar até dois satélites e jogá-los, simultaneamente, no espaço. O projeto, contudo, tem trazido dores de cabeça à Agência Espacial Brasileira (AEB). Não por questões técnicas, mas devido ao fato de o governo ter concedido, no fim do ano passado, a titularidade de 71,8 mil hectares à comunidades quilombolas que vivem próximas a Alcântara (MA) ; base do lançamento. ;Imaginar que nós vamos deixar a população de lá permanecer no século 18 é uma falta de sensibilidade, de caráter, de brasilidade, que eu me recuso a admitir;, critica o presidente da AEB.

O astronauta Marcos Pontes, diretor técnico espacial do Instituto Nacional para Desenvolvimento Espacial e Aeronáutico, lamenta a redução da área na base de lançamento. Para ele, pode ser necessário procurar outro local, no litoral norte, que tenha condições ideais para o lançamento. O Brasil, especialmente Alcântara, é considerado estratégico porque tem um ponto de escape, o mar ; em caso de explosões ; e fica em uma localização privilegiada, logo abaixo do Equador, o que economiza combustível nos lançamentos. ;Parar o desenvolvimento espacial seria extremamente prejudicial, estrategicamente, para o Brasil, que passaria a depender totalmente de outros países no campo espacial. Isso não é saudável para quem tem um país na dimensão do nosso, com os recursos que nós temos;, diz.

Carlos Ganem é mais crítico ainda. ;Deter um orçamento financeiro vindo do Tesouro equivalente ao orçamento da atividade espacial da Holanda é risível;, alega. ;O programa espacial é o mecanismo pelo qual o governo tem a oportunidade de praticar uma política de Estado, isso não pode ser prioridade de um plano de governo de quatro anos;, diz. ;Imaginar isso como uma façanha tecnológica, como um custo para um país de desdentados, de desassistidos, de mal alimentados, é a maior miopia que um ser humano pode proporcionar. Comparar esse programa a outros programas sociais do governo é um equívoco. Eu, povavelmente, deixaria de estar gastando bolsas famílias se tivesse aplicando melhor o dinheiro em atividades espaciais;, aposta.

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