Ciência e Saúde

Presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia alerta para riscos da hepatite D

Paloma Oliveto
postado em 24/07/2009 08:15
Um vírus agressivo, pouco pesquisado e que causa cirrose, câncer de fígado e até mesmo a morte dos infectados ameaça indígenas e ribeirinhos da Região Norte e, devido ao fluxo migratório, pode se disseminar pelo Brasil. O alerta é de um dos maiores especialistas em hepatites virais do país, Raymundo Paraná, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia. Segundo o médico, a pouca atenção dispensada ao vírus delta, causador da hepatite D, faz com que a doença seja uma das mais negligenciadas do mundo e represente grande risco à população. ;Se não houver uma ação concentrada de prevenção e combate, não podemos esperar coisas boas;, avisa.

Clique na imagem para ampliarConhecida também como febre negra e descrita desde a década de 1930, a hepatite D atinge 15 milhões de pessoas no mundo. Um número pequeno, comparado à prevalência do vírus B, que contamina 50 milhões de habitantes por ano. Mas, se o tipo B pode ser assintomático, o delta provoca efeitos devastadores. Além disso, o Brasil é o país que tem a maior concentração de hepatite D num único estado: no Acre, 1,3% da população é portadora da doença. ;É uma incidência altíssima para os padrões mundiais. Não tem nada igual no resto do mundo;, diz Paraná. A prevalência está na chamada Amazônia Ocidental, que engloba municípios do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. Os três primeiros estados são os que sofrem mais com a doença.

O vírus delta tem uma característica que o diferencia de todos os demais. Ele só entra em ação quando associado a outro: age como parasita e se protege dentro do vírus B. A doença se desenvolve de duas formas. Quando o paciente já está com hepatite B e é contaminado pelo delta, as consequências à saúde são mais graves. O novo vírus faz com que o B ataque com mais força, acelerando o processo de cirrose e câncer de fígado. Em 5% dos casos, pode matar. A abordagem da doença é mais branda quando os tipos B e D são adquiridos ao mesmo tempo. Embora também haja risco de morte, as hepatites, nessa situação, ficam mais fáceis de ser controladas porque o sistema imunológico age mais rapidamente para eliminar os vírus.

Outra peculiaridade do delta é que ele tem cinco diferentes genótipos (como se fossem as ;raças; dos vírus), sendo que o 3 só existe no Brasil e é o mais agressivo. Ao contrário do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, onde prevalece em usuários de drogas e imigrantes asiáticos, por aqui, ele ataca jovens entre 15 e 25 anos, que não são dependentes químicos. Por isso, as poucas pesquisas existentes pelo mundo quase não têm serventia para o Brasil. ;É impossível importar resultados;, afirma Paraná.

Só hipóteses
Segundo o coordenador do Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das Hepatites Virais (PNHV) do Ministério da Saúde, Ricardo Gadelha, a carência de estudos sobre a doença dificulta precisar por que o delta se concentra mais no norte, atacando principalmente os índios. ;Existem hipóteses que relacionam a doença a condições ambientais e aspectos genéticos;, diz. O hepatologista Raymundo Paraná lembra, porém, que já não se pode mais falar em grupos de risco, pois o fluxo migratório entre o norte e o restante do país tem se intensificado nos últimos anos, graças ao agronegócio, que atrai produtores de todo o Brasil para Rondônia, onde há grandes plantações de soja. Além disso, as construções da Hidrelétrica do Rio Madeira e da Estrada do Pacífico devem impulsionar ainda mais a migração.

[SAIBAMAIS]Ricardo Gadelha diz que a principal estratégia do ministério é a prevenção. A vacina contra hepatite B, disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, também combate o vírus delta. Ele explica que o ministério está se articulando com estados e capitais para organizar oficinas de capacitação profissional e a reestruturação das redes de saúde. Já foram realizadas no Norte, Nordeste e no Centro-Oeste. ;Também estamos fazendo parceria com a Funasa (Fundação Nacional de Saúde, responsável pela saúde indígena) para discutir como melhorar o acesso dos índios ao tratamento e, principalmente, à prevenção;, conta.

; Vacinação em massa

No Acre, a Secretaria de Saúde promove campanhas de vacinação em massa, sendo que a última teve 100% de cobertura. ;A população rural e indígena têm sérios problemas para se deslocar às unidades de saúde, por isso vamos até elas não só para vacinar, mas para prestar esclarecimentos e fazer testes rápidos;, diz a coordenadora do Programa Estadual de Combate às Hepatites Virais, Mônica de Abreu Moraes. Quanto ao tratamento, ela reconhece que há mais dificuldades. No Brasil, o único medicamento fornecido pelo SUS é o interferon, que precisa ser injetado no paciente uma ou mais vezes por semana. ;Nesse caso, temos de tirar a pessoa do local de residência para que tenha acesso às injeções, e o tratamento pode se estender por até dois anos;, diz.

Segundo Gadelha, já foi feito um levantamento dos estudos sobre a eficácia, a segurança e a relação custo-benefício de novos medicamentos que já estão no mercado há cinco anos e podem ser uma alternativa ao interferon. A pesquisa está no gabinete do ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Se for aprovada, uma portaria vai garantir o acesso aos novos remédios. Ainda não há previsão de quando isso ocorrerá.

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