Ciência e Saúde

Canto dos pássaros é fundamental para revelar a real diversidade das aves

postado em 02/08/2009 09:54
A sinfonia dos pássaros, seja na floresta, no campo, ou até mesmo em meio ao barulho da cidade grande, sempre serviu de inspiração para o trabalho de grandes mestres da música, que o diga os compositores Tom Jobim e Chico Buarque, autores dos versos da canção Sabiá. Porém, as melodias emitidas por cerca de 10 mil espécies, distribuídas em todo o planeta Terra, trouxeram contribuições, que vão muito além da arte. O uso da bioacústica é uma delas - uma ferramenta que tem sido fundamental para a descoberta da real diversidade das aves da Floresta Amazônica. Até 2007, por exemplo, acreditava-se que só havia apenas uma espécie da ave Hypocnemis cantator, mais conhecida como Papa-formigas-cantador. "Depois da análise do canto, porém, foi possível afirmar a existência de seis espécies diferentes, entre elas o galego, sinaleiro e o estriado. Em cada parte da Amazônia há um tipo", explica o ornitólogo e curador da coleção de aves do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Mario Cohn-Haft. De acordo com ele, além do canto, havia outras alterações bastante sutis, levando os pesquisadores a acreditarem que eram relativas as raças. "Em geral, algumas diferenças na coloração mal eram percebidas a olho nu. Porém, estamos descobrindo que quando um pássaro canta diferente na Amazônia é porque ele é realmente distinto do ponto de vista genético", afirma. A tecnologia também passou a ser uma grande aliada da bioacústica, que se resume num árduo trabalho de pesquisa de campo e laboratório. Até o momento, Cohn-Haft já contabilizou cerca de 500 horas em gravações. Para isso, ele utiliza microfones direcionais, ultrassensíveis, em formato de bastão. Todo o material coletado faz parte do acervo digitalizado do Inpa, inclusive das aves taxidermizadas (empalhadas), e ainda é usado na gravação de Cds, vendidos ao público apreciador do canto dos pássaros. "O dinheiro arrecadado nas vendas custeia novas expedições na floresta. Essas viagens chegam a durar até 30 dias", diz. Atração Para a bióloga Regina Macedo, do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), o canto dos pássaros é uma assinatura digital. "A linguagem humana é característica a todos os homens. A voz identifica cada pessoa, por conta do som emitido, que é particular. Com os pássaros funciona da mesma forma", compara. A professora conta, ainda, que na UnB estão em curso alguns trabalhos semelhantes ao do Inpa, porém direcionados para espécies típicas do cerrado. "No momento, estudamos o comportamento do pássaro Tiziu (Volatinia jacarina). O animal é cheio de ornamentos e canta para chamar a atenção da fêmea quando quer acasalar", destaca, lembrando que a universidade também estuda o impacto da poluição sonora no canto dos pássaros. O poeta e músico amazonense Celdo Braga não é biólogo, nem ornitólogo, mas se considera um grande defensor da natureza. O amor que ele sente pelos pássaros são evidenciados nas linhas melódicas de suas composições, baseadas no fraseado dos animais. "Componho músicas instrumentais a partir do canto das aves e dos sons da natureza. Às vezes, utilizo parte do som desses bichos ou os estilizo, mantendo uma relação de semelhança bem próxima", explica. A ave preferida do artista é o Uirapuru (Cyphorhinus aradus), homenageado na canção Uirapuru-angá. "Angá, em tupi, significa alma, mas a espécie, na verdade, não existe. Acrescentei a palavra, pois essas aves conseguem estabelecer uma comunhão perfeita com a minha alma de poeta", finaliza.

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