postado em 13/08/2009 08:00
Em uma única colmeia, entre 50 mil e 80 mil abelhas trabalham de forma incessante. Os 2cm de seu corpo são incrivelmente especializados: além de produzirem mel, esses insetos fabricam um veneno semitransparente e de forte odor, despejado por um ferrão situado em sua parte traseira. A sopa tóxica composta por pelo menos 18 substâncias ativas é dominada, em uma concentração de 50%, pela biomolécula melitina. A ciência já havia comprovado que essa toxina representava uma excelente candidata à terapia contra o câncer, mas desconhecia meios eficazes e seguros de conduzi-la diretamente até o tumor. Existia o risco de que a melitina, quando transportada em grandes quantidades, provocasse danos generalizados às células sadias. Até que Samuel Wickline ; professor de medicina, engenharia biomédica e biologia celular da Universidade de Washington em St. Louis, no Missouri ; teve uma ideia ousada: usar a própria natureza para vencer esse obstáculo.O norte-americano e sua equipe desenvolveram nanoesferas de 200 nanômetros de diâmetro (um nanômetro equivale a um metro dividido por um milhão), partículas 10 vezes menores que um glóbulo vermelho. Wickline batizou sua criação de nanoabelhas e decidiu que elas seriam o veículo de transporte da melitina até as células cancerígenas. As nanoabelhas ;voariam; por meio da corrente sanguínea, ;pousariam; na superfície das células e depositariam a melitina, que rapidamente atacaria o tumor. Deu certo. Nos testes com camundongos, a principal toxina dos insetos impediu os tumores de crescerem e, em alguns casos, levou-os a murcharem.
[SAIBAMAIS];Sabíamos que a melitina tinha uma chance de ser protegida pelo nanotransportador que havíamos desenvolvido. Isso porque ela se posiciona na camada gordurosa ao redor de nossa partícula;, afirmou Wickline ao Correio, em entrevista por e-mail. ;Nós tentamos inserir a toxina e descobrimos que ela não era muito estável na nanopartícula, mas não vazou para fora e permaneceu ativa quando estava dentro da corrente sanguínea;, comemorou o cientista.
Era o sinal de que ele e seus colegas estavam na direção certa. O autor da pesquisa publicada pela revista científica The Journal Clinical of Investigation, na última segunda-feira, explicou que a nanoabelha rastreia o local do tumor e se cola a um endereço vascular específico. Ela também pode ficar propositalmente presa a uma armadilha na região do tumor, em vasos sanguíneos malformados que circulam e nutrem as células cancerígenas. ;Uma vez localizado o tumor, a toxina melitina e a nanoabelha literalmente se derretem dentro do tumor e ;entrega; seu ;ferrão;;, comparou o especialista. O processo de derretimento, ou a fusão da nanoabelha com a célula, é muito menos comum em estruturas normais ou sadias. ;Nós alvejamos os vasos sanguíneos por produzirem e liberarem esses ;endereços postais; moleculares, capazes de direcionar as nanoabelhas até o local do tumor;, acrescentou.
Wickline contou que dezenas de camundongos acometidos de tumores nativos ou implantados em laboratório e de lesões pré-cancerosas foram alvos do estudo. ;As nanoabelhas exibiram atividade contra todas elas;, garantiu o médico, também diretor do Centro para Pesquisa Traducional em Imagens Avançadas e Nanomedicina da Universidade de Washington em St. Louis. Segundo ele, em alguns casos, o tumor foi substancialmente eliminado com apenas poucas doses de nanoabelhas. ;Em outros casos, os tumores foram impedidos de se transformar em um câncer de alta letalidade;, disse. Os médicos testaram as nanoabelhas em dois tipos de camundongos com câncer. Um grupo havia sido implantado com células do câncer de mama humano e outro recebeu tumores de melanoma. Depois de quatro a cinco injeções diárias de nanopartículas com melitina, o crescimento dos tumores de mama diminuiu cerca de 25%, e o tamanho dos melanomas reduziu 88%, comparado com o de tumores não tratados.
Destruição
A explicação está no poder destrutivo das nanoabelhas. Atraída pelas membranas dos tumores, a proteína melitina tem o poder de formar poros que rompem as células doentes, levando-as à morte. Segundo o líder do estudo, a descoberta de uma forma de enviar a melitina até o tumor abre brecha para a realização de testes clínicos que determinariam sua segurança e eficiência em seres humanos. ;Pelo fato de a nanoabelha matar as células diretamente, ao abrir buracos em suas membranas, temos esperança de que as células do câncer não se tornem resistentes a esse rompimento físico;, comentou Wickline. As nanoabelhas estão licenciadas em nome da companhia Keroes Inc., também de St. Louis, que deverá prepará-las para os testes clínicos já em 2010.
Nos experimentos realizados até agora e nas doses de nanoabelhas usadas, não foram constatados efeitos colaterais aparentes ao tratamento. Outros componentes ativos do veneno da abelha são mais tóxicos e capazes de provocar reações nocivas ao organismo humano. Por isso, Wickline decidiu não incluí-los nas nanopartículas e sintetizou apenas a melitina em laboratório. ;O principal efeito colateral da melitina natural é a rápida destruição das células com as quais ela entra em contato. Mas, quando confinada a uma nanopartícula, ela não causa danos, até que seja entregue ao local específico do tumor;, afirmou.