postado em 15/08/2009 09:00
Carros, caminhões, ônibus e indústrias de diversos setores fazem parte do arsenal que atende as necessidades da vida contemporânea nos grandes centros urbanos. A conta de todas essas facilidades, porém, é alta, e muitas pessoas a pagam com a própria saúde. O ar em São Paulo, metrópole mais poluída do Brasil, por exemplo, é tão insalubre que traz reflexos graves na qualidade de vida de quem tenta ter hábitos saudáveis. Um levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) revelou a incidência de comprometimento pulmonar em não fumantes. A pesquisa, feita durante uma sexta-feira em plena Avenida Paulista, contou com a participação de 228 voluntários e constatou que 4% deles têm os pulmões semelhantes aos de um tabagista.A Organização Mundial da Saúde (OMS) faz alertas constantes em relação ao perigo e aos danos provocados pela poluição atmosférica. Estudos divulgados pela entidade apontam que a redução dos poluentes lançados no ar poderia salvar cerca de 900 mil vidas por ano. A própria OMS estima que, no Brasil, 13 mil pessoas morrem anualmente em decorrência direta da poluição das médias e grandes cidades, a maioria por conta da fumaça da frota automobilística.
No país, a má qualidade do ar não é uma mazela apenas de São Paulo. A situação em Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre e até em Brasília também inspira cuidados. É o que garante o presidente da SBC, Antônio Carlos Palandri Chagas. ;O combustível utilizado no Brasil é altamente poluidor, o que interfere seriamente na saúde da população. Os moradores dos grandes centros respiram um ar inadequado, recheado de gases considerados cancerígenos quando inalados por tempo prolongado. Além das alergias respiratórias e doenças pulmonares, a poluição atmosférica é um importante fator de risco para hipertensão arterial e problemas cardiovasculares, como derrames e infartos;, aponta o médico.
Seca perigosa
No Distrito Federal, a frota de automóveis e ônibus também é a maior fonte poluidora. Durante a época da estiagem, que costuma ocorrer entre os meses de junho a outubro, a capital do país enfrenta dias em que o ar oferece riscos à população. Regiões como a da Rodoviária, das avenidas L2 e W3 Sul e Norte, Praça do Relógio, em Taguatinga, e Fercal concentram índices de poluição capazes de colocar em xeque a saúde do brasiliense que tem problemas respiratórios. Segundo Chagas, a pesquisa realizada em São Paulo serve para promover um debate com a sociedade e mobilizar setores responsáveis por mudar a situação do país.
O químico-chefe do Laboratório de Monitoramento e Controle Ambiental em Transportes da Universidade de Brasília (UnB), Felipe Silva, explica que, se comparada à de São Paulo, a qualidade do ar na capital do país é relativamente boa. ;Nossa cidade tem uma média anual aceitável e não prejudicial à saúde. Mas, se avaliarmos alguns meses ou dias isoladamente, observamos índices regulares e até inadequados;, observa. De acordo com o pesquisador, as partículas suspensas no ar têm componentes cancerígenos e metais pesados que penetram nos alvéolos pulmonares e na corrente sanguínea. ;Na época da estiagem, a concentração de partículas de poeira e gases, como o dióxido de enxofre e nitrogênio, que desencadeiam problemas respiratórios, vasculares e até câncer, ultrapassa 75 microgramas por metro cúbico de ar em alguns dias, índice que realmente já preocupa e alerta para a necessidade de políticas públicas de controle;, pondera o pesquisador.
Vida mais curta
O coração sofre. A poluição do ar é um fator de risco para o órgão porque o produto da combustão dos carros e fábricas funciona como a fumaça do cigarro. ;Nosso organismo é atingido por tudo que aspiramos. As partículas nocivas à saúde vão parar na corrente sanguínea e as paredes dos vasos são lesionadas ou podem acumular placas que impedem a circulação do sangue, provocando infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVC). Estudos internacionais comprovam que moradores de cidades poluídas vivem 10 anos menos que pessoas não expostas à poluição do ar;, explica o médico e professor de cardiologia da UnB Andrei Spósito.
O pulmão é, quase sempre, o primeiro órgão a sentir os efeitos da poluição. O pneumologista do Hospital Universitário de Brasília (HuB) Ricardo Martins lembra que pesquisas demonstram que os não fumantes de São Paulo têm danos respiratórios semelhantes aos de pessoas que fumam seis cigarros por dia. ;No Distrito Federal, a situação ainda pode ser controlada porque os índices não são alarmantes. Mas existem locais como a Fercal, localidade próxima a Sobradinho onde funcionam duas fábricas de cimento, que o problema preocupa. Sabemos que o número de crianças com problemas respiratórios é grande nessa região.;
Rodoviária
O fiscal de tráfego Reginaldo de Carvalho, 39 anos, trabalha na Rodoviária de Brasília, uma das regiões mais poluídas da capital. Há dois anos, ele passa seis horas do dia respirando um ar nocivo à saúde. ;Sempre fui uma pessoa saudável. Mas agora tenho alergias decorrentes da fumaça de toda natureza que paira sobre o centro de Brasília. Além da combustão resultante dos ônibus e automóveis que circulam na Rodoviária e avenidas próximas, estamos expostos ao cigarro dos fumantes e ao produto da fritura das lanchonetes;, lamenta. Reginaldo tenta se proteger com uma máscara, mas conta que sente muito cansaço e diz que constantemente tem crises de tosse. ;Preciso tomar antialérgicos com frequência, pois a coceira no nariz , a rinite, a irritação nos olhos e a dor de garganta agora são minhas companheiras inseparáveis;, diz.
A médica alergista Marta Guidacci atende pacientes com problemas semelhantes aos do fiscal de tráfego. Ela reforça que a poluição atmosférica pode desencadear irritações na mucosa do nariz, dos olhos e dos brônquios e contribui para piorar processos alérgicos.
; Resultados preocupantes
O levantamento realizado pela SBC analisou amostras do teste de monóxido de carbono feito por 228 voluntários não fumantes que passavam pela Avenida Paulista em uma sexta-feira. Confira as principais conclusões:
4% - Total de pessoas testadas que apresentaram comprometimento pulmonar
76% - Número de voluntários que registraram alguma presença do monóxido de carbono, mas de forma a não representar riscos
20% - Total de pessoas com o pulmão limpo, livre da presença do monóxido de carbono nas hemoglobinas
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia