Ciência e Saúde

Pesquisadores trabalham em equipamento que traduzirá, em tempo real, o conteúdo de sites para a linguagem braille

postado em 23/08/2009 07:46
Ao contrário do que muitos podem imaginar, a internet se tornou uma ferramenta importante para a inclusão de deficientes visuais no mundo da informática. Por meio de programas com sintetizadores de voz (mecanismo que converte informações de texto em áudio) e máquinas que imprimem em braille, essas pessoas passaram a ter maior acesso à informação e ao entretenimento. Porém, uma pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp) pretende dar um passo muito além das ferramentas já existentes. Há cerca de dois anos, dois doutores em engenharia passaram a desenvolver um console que poderá traduzir para o braille ; em tempo real ; o conteúdo dos sites. O resultado desse trabalho será apresentado no próximo mês, durante uma conferência em Xian, na China.

Segundo a proposta dos pesquisadores José Márcio Machado e Mario Luiz Tronco, o trabalho busca a construção de um dispositivo eletromecânico que lerá textos na internet e os transformará em caracteres do alfabeto braille, que poderão ser sentidos pelos usuários (veja arte). ;O console dispõe de vários atuadores, semelhantes a teclas e dispostos em linha, um ao lado do outro. Passando o dedo sobre a base existente em cada um deles, o usuário sente os pontos serem elevados e abaixados, o que forma as letras;, explica Machado.

Clique na imagem para ampliarOs pontos ou hastes metálicas, de acordo com o estudo, são acionados por eletroímãs que respondem aos sinais de um sistema decodificador. Este, por sua vez, lê um texto comum exibido na tela e exibe, em cada atuador, um arranjo de hastes correspondente a um caractere em braille. O estudo conta com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Patente
Os pesquisadores têm conhecimento de estudos parecidos na Alemanha e em Taiwan. ;Algumas soluções técnicas são originais e, segundo a Fapesp, podem ser patenteadas. A ideia é construir o sistema com os recursos disponíveis no Brasil;, afirma Machado, lembrando que o projeto estará pronto em outubro. Depois disso, serão iniciadas as fases de testes com os usuários. Para isso, os pesquisadores contarão com educadores da Unesp, especializados em treinamentos específicos para cegos. No futuro, eles também contribuirão para eventuais adequações do dispositivo.

A invenção entusiasma pessoas como Flávio Luis da Silva, 40 anos, que perdeu totalmente a visão depois de sofrer um acidente há 11 anos. Na época, Silva ainda não havia tido nenhum contato com o mundo da informática, até que entrou para uma escola onde aprendeu a ler em braille e a executar tarefas domésticas, além de receber aulas de digitação.

Ao ter contato com um teclado de computador, Silva transformou-se em um verdadeiro apaixonado pelo mundo da tecnologia. O atual diretor sociocultural da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV) está concluindo o terceiro curso na área. ;O console é uma ideia muito boa. Espero que possamos usá-lo logo;, diz Silva, que hoje tem desenvoltura para receber e enviar e-mails, conversar pelo MSN e fazer o download de músicas na internet, tudo por meio de softwares de voz.

O analista de sistemas Ivo Ramalho concorda com Silva e acredita que a ferramenta pode se tornar uma possibilidade mais rápida e eficiente de inclusão dos deficientes visuais no mundo virtual e, consequentemente, no mercado de trabalho. Privado da visão desde o nascimento, Ramalho fez curso técnico em processamento de dados e, logo em seguida, entrou para a faculdade de ciências da computação.

Hoje ele também estuda direito e desenvolve programas para a Fundação Bradesco de São Paulo, onde trabalha e já ministrou cursos de informática para cegos. ;Por não termos a visão, precisamos desenvolver outros sentidos. A descrição de objetos é algo importante durante as aulas. Janela em informática, por exemplo, tem um significado bem diferente daquilo que é na vida real;, explica.

Já o mouse, de acordo com ele, é um tipo de artefato inútil para os deficientes visuais, por exigir do usuário que enxergue a tela para movimentar o cursor. ;Num futuro, seria interessante que a técnica desenvolvida pelos pesquisadores da Unesp proporcionasse o acesso a gráficos, muito usados nas áreas de matemática e geografia;, sugere Ramalho, lembrando que a ciência é uma importante aliada dos deficientes. ;A falta de visão é apenas uma barreira a ser vencida e não uma sentença de morte. Hoje, mais do que nunca, a tecnologia está provando isso;, conclui.

Sistema de pontos
Inventado em 1825 por Louis Braille, um jovem cego francês, a linguagem braille transforma letras e números em pontos em alto relevo, a partir das diferentes combinações de seis pontos dispostos em duas colunas de três pontos. A diferente disposição desses pontos permite a formação de 63 combinações para representar letras simples e acentuadas, pontuações, algarismos, sinais algébricos e notas musicais.

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