Paloma Oliveto
postado em 25/08/2009 08:15
As ilhas equatorianas que inspiraram o naturalista Charles Darwin na elaboração da teoria evolucionista estão ameaçadas pelas muriçocas. O Arquipélago de Galápagos, chamado de ;laboratório vivo; pela rica biodiversidade, sofre com agentes patogênicos introduzidos nesse paraíso do Pacífico pelas hordas de turistas que viajam anualmente para lá. Um estudo publicado na revista especializada Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, do Reino Unido, mostra que o mosquito Culex quinquefasciatus, conhecido no Brasil como pernilongo, já se estabeleceu nas 30 ilhas e pode disseminar doenças como malária e febre do Nilo ocidental.;Falhas para implementar e manter medidas de prevenção do transporte dos mosquitos pelos humanos podem ter consequências catastróficas para a vida selvagem endêmica de Galápagos;, alerta o estudo da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade de Leeds. Patrimônio mundial da humanidade, o arquipélago controla a entrada de turistas nas ilhas. Porém, o número de visitantes vem crescendo vertiginosamente.
Em 2008, 173 mil pessoas pisaram em Galápagos, um número quatro vezes maior do que o verificado na década de 1980. Consequentemente, a quantidade de espécies aumentou. Em 1900, foram registradas 112. Já em 2007, havia mais de 1,3 mil. Naquele ano, Galápagos entrou para a lista de locais em risco da Unesco, devido à introdução de espécies nas ilhas, além do incremento do turismo e da imigração. Desde 1991, a população do arquipélago cresce, em média, 4% ao ano. O aumento do fluxo de turistas movimentou mais de US$ 418 milhões na economia equatoriana.
No caso do Culex quinquefasciatus, a entrada nas ilhas é pelo ar. ;Nossa pesquisa consistiu em procurar pelos insetos nos porões das aeronaves e fazer a análise genética da população dos mosquitos. A metodologia aplicada nos permitiu quantificar as taxas de mosquitos que chegavam por aviões e, mais tarde, estimar quantos sobrevivem e se espalham pelas ilhas;, explica um dos autores do estudo, o cientista Arnaud Bataille, da Universidade de Leeds. De acordo com ele, a média de Culex transportados pelos aviões é baixa. ;Mas muitas aeronaves chegam todos os dias, principalmente para abastecer a indústria do turismo. E os mosquitos se mostraram capazes de sobreviver e se reproduzir assim que saem dos aviões;, conta. Além disso, as luzes emitidas pelos barcos turísticos atraem insetos, aumentando ainda mais o potencial das muriçocas de se espalharem pela região.
Ameaça
O coautor do estudo Andrew Cunningam lembra que algo parecido ocorreu no Havaí, no fim do século 19. A introdução do mosquito culminou na extinção de diversas espécies de pássaros endêmicos. Das 42 espécies e subespécies de beija-flores que havia na ilha, somente 19 sobreviveram. ;A não ser que haja uma força-tarefa urgente de mitigação, será apenas uma questão de tempo antes da vida selvagem do arquipélago ter o mesmo destino dos beija-flores havaianos;, prevê Cunningam.
Embora recentemente o governo equatoriano tenha estabelecido que todos os aviões com destino a Galápagos passem por tratamento inseticida, a medida é considerada insuficiente pelos autores do estudo. ;Com o turismo crescendo tão rápido, o futuro de Galápagos depende da habilidade do governo do Equador em garantir a biossegurança das ilhas;, acredita Simon Goodman, outro autor da pesquisa. ;Se ainda não vimos uma série epidemia em Galápagos, é provavelmente apenas por sorte;, alerta.
[SAIBAMAIS]Para estudar a genética da população dos mosquitos, os cientistas coletaram amostras nas cinco ilhas habitadas de Galápagos (Baltra, Floreana, Isabela, San Cristobal e Santa Cruz), além de muriçocas encontradas no Equador. A pesquisa também utilizou seis espécies do Culex quinquefasciatus identificadas no Aeroporto de Baltra. Eles, então, extraíram o DNA e constataram que, entre as espécies endêmicas, já há circulação do pernilongo. Além dos aviões, os cientistas descobriram que os mosquitos entram nas ilhas em navios que transportam comida e outros produtos para Galápagos.
A presença humana no arquipélago é, definitivamente, o principal disseminador da muriçoca. ;Nossos resultados também evidenciaram como os mosquitos se movimentam entre as ilhas. O Culex quinquefasciatus tem uma capacidade muito pobre de voar e não conseguiria, normalmente, dispersar-se com sucesso;, diz o estudo.
; Para saber mais
Diversidade natural
Descobertas em 1535, as Ilhas Galápagos ficaram famosas mundo afora depois de o naturalista Charles Darwin citá-las em sua obra A origem das espécies. Ele visitou o arquipélago em 1835, quando fazia parte de uma expedição a bordo do navio Beagle. Naquela época, Darwin era mais um curioso e ainda não imaginava que, mais tarde, se tornaria um cientista. Administradas pelo Equador, a mil quilômetros do continente e situadas no Oceano Pacífico, as ilhas formam em quase sua totalidade (90%) um parque nacional.
Cerca de 95% da biodiversidade de Galápagos são mantidos intactos, comparados a outros arquipélagos isolados. Apesar da extinção de quatro subespécies de tartarugas e três de roedores endêmicos a partir da chegada dos humanos, o número de vertebrados desaparecidos é ainda irrelevante. Cientistas e ambientalistas, porém, alertam que uma grande proporção de espécies remanescentes estão ameaçadas por causa da perda de seu habitat e da invasão de espécies estranhas.
O conjunto de ilhas é bastante conhecido por seus répteis endêmicos ; são 11 subespécies de tartarugas gigantes, três de iguanas terrestres e uma de iguanas- marinhos que só existem lá. Também há sete espécies de lagartos, 22 de pássaros terrestres e uma enorme quantidade de colônias de pássaros marinhos, como pinguins e gaivotas.