A clonagem de um lobo-guará começa a surgir como possibilidade para salvar a espécie da extinção. A quantidade estimada de indivíduos do lobo mais famoso da região não é mais suficiente para garantir sua perpetuação, (1) mas pesquisadores da Embrapa Cerrados, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, planejam colher e estudar o material genético desse e de outros animais que vivem na região central do país para tentar gerá-los. A coleta, contudo, só deve ser feita depois que o animal estiver morto.
O estudo surgiu de uma experiência bem-sucedida na reprodução de bovinos in vitro, cujo primeiro bezerro nasceu no ano passado. ;Vimos que coletar o material depois de o animal morrer dava certo e resolvemos tentar o procedimento em lobos-guarás, cuja reprodução em cativeiro é complicada;, conta o médico veterinário Carlos Frederico Martins, que coordena a pesquisa. Segundo o pesquisador da Embrapa Cerrados, a coleta do material genético depois da morte tem o objetivo de preservar o bicho. ;Essa retirada é um procedimento complexo quando o animal está vivo. Ela envolve anestesia e incomoda, principalmente as fêmeas;, completa.
Assim, toda vez que um animal silvestre morrer no Jardim Zoológico de Brasília ou nas florestas da região, os pesquisadores tentarão recuperar suas informações genéticas. Os veterinários do zoológico já foram convocados para fazer a necropsia e separar testículos, ovários e uma parte da orelha, de onde serão retirados os fibroblastos ; células fáceis de recuperar e de alta multiplicação ; que poderão ser utilizados no processo de clonagem. Para conseguir coletar as células vivas, os cientistas precisam chegar ao material até três dias depois do óbito.
Monitoramento
A partir das células sexuais, é possível realizar reproduções assistidas, mas nos três primeiros meses de pesquisa, os pesquisadores ainda não tiveram a oportunidade de analisar nenhum macho. ;Já tivemos acesso a fêmeas de cachorro do mato, veado catingueiro e tamanduá-mirim, das quais conseguimos recuperar o útero;, conta Martins. Um dos estagiários que participam da pesquisa vai começar o trabalho de monitoramento nas rodovias, para identificar onde morrem mais animais silvestres e facilitar sua recuperação.
;A ideia não é só aumentar o plantel das espécies, mas manter um banco genético de animais que estão em risco de extinção;, explica Rafael Bonorino, médico veterinário do zoológico. A pesquisa prevê ainda o estudo da fisiologia reprodutiva dos animais, já que mamíferos silvestres do cerrado nunca foram alvo de pesquisas (2)do gênero. ;Se congelarmos o máximo de células para estudar, já teremos garantido benefícios para a fauna;, planeja Martins.
Útero
Apesar de distante, a possibilidade de clonagem já é estudada pelos pesquisadores da Embrapa Cerrados. Uma das estratégias para garantir a perpetuação das espécies ameaçadas é se valer do útero de um animal doméstico (3)próximo à espécie silvestre (veja arte). No caso de um lobo-guará, por exemplo, é possível usar o ovócito (célula germinativa que dá origem ao óvulo) e o útero de uma cadela.
No procedimento de clonagem, os pesquisadores retiram o núcleo do ovócito, num processo chamado enucleação, deixando apenas o citoplasma, o que elimina 99% do DNA da cadela. ;O 1% de material genético que resta vai se manifestar de forma imperceptível no animal clonado, em alterações na pele ou no pelo;, diz Martins.
1 - Ameaça
Há 30 anos, o lobo-guará tinha como área de atuação todo o Centro-Oeste e se espalhava até o Rio Grande do Sul e por parte do Sudeste. Com o avanço das áreas urbanas e das grandes plantações de soja, o lobo, entre outras espécies, perdeu espaço. Seu bioma está restrito a algumas regiões do Centro-Oeste, e, com um número reduzido de indivíduos, o lobo-guará está fadado à extinção.
2 - Investigação
Nem todos os espermatozoides suportam o congelamento por nitrogênio e essa é uma das descobertas que os cientistas pretendem fazer sobre as células reprodutivas dos mamíferos da região. Quando se faz a inseminação artificial de um cavalo, por exemplo, o sêmen precisa ser repassado para a fêmea imediatamente, pois o material não aceita o congelamento, ao contrário das células reprodutoras humanas.
3 - Proximidade
No caso da clonagem de uma onça-pintada, seria possível se valer de felinos para tentar a reprodução. Para clonar um veado catingueiro, a opção mais próxima seria um bovino, que tem um número de cromossomos próximo ao do veado e também é ruminante, o que aproxima as fisiologias digestivas dos dois animais.